Após um século, quilombolas recebem luz pela 1ª vez graças a energia solar
As noites na comunidade quilombola Pixaim, em Piaçabuçu (AL), não são iluminadas mais só pela luz da lua e das estrelas. Após um século de existência, as 43 casas estão agora eletrificadas.
A coluna foi até a comunidade localizada entre o rio São Francisco e o mar, na terça-feira (1º), e acompanhou a inauguração dos equipamentos de energia solar montados no local. A sensação foi de que os moradores vão começar uma nova vida, entrando no século 21.
Há anos vivemos na expectativa de ter energia em nossa comunidade. Ver TV era uma realidade distante. Saber que meus filhos e netos estão tendo a oportunidade de assistir a um desenho pela primeira vez é algo inexplicável. Vocês não têm noção da felicidade que estamos sentindo agora.
Alexandra Sales, que representou os moradores da comunidade
A comunidade Pixaim é certificada como quilombola pela Fundação Cultural Palmares desde 2009. Mas como ela está localizada em uma APA (área de proteção ambiental) e sobre dunas móveis, não havia viabilidade técnica para instalação de energia por fiação convencional.
Por conta disso, a solução encontrada foram as placas para captação de energia solar. Cada casa ganhou placas, um gerador e pontos de energia para ligar equipamentos.
A comunidade foi a primeira de Alagoas beneficiada pelo projeto E+ Comunidades Solares, da companhia energética Equatorial Alagoas. O investimento foi de R$ 700 mil, que contou com doação de uma geladeira para cada família.
Agora é comprar eletrodomésticos
Apesar da chegada da energia, a maioria dos moradores ainda não tem ainda eletrodomésticos.
Maria de Fátima Calixto dos Santos, 51, e João Batista Calixto dos Santos, 57, nasceram e moram até hoje na comunidade. Eles explicam que agora vão ter, pela primeira vez, a chance de tomar água gelada em casa. "É um sonho para gente, não tem outra palavra. Agora é comprar um liquidificador e um ventilador", diz Maria de Fátima.
No verão, quando o calor aperta, moradores costumam abrir as portas para dormir. "Tem gente que até coloca o colchão fora ou dorme ali nos morros, na área coberta. Aqui não tem perigo", conta João Batista.
O casal explica que, há cerca de 15 anos, houve uma primeira tentativa de manter energia elétrica por meio de baterias. "Mas não deu certo, durou pouco e só servia para colocar luz."
Antes da energia, a luz era só de candeeiro e velas. Por coincidência, no dia da inauguração, a casa de João Antônio dos Santos, 85, ficou sem energia por um problema na placa, que já foi solucionado.
Quando a coluna chegou à casa do idoso, no início da noite, ele ouvia rádio no vão único de sua casa de taipa, à luz de um pequeno candeeiro. "É meu lazer ouvir rádio", afirma, com o único produto eletrônico que tem em casa. "Depois vejo e compro outros", diz João Antônio, cujo filho mora ao lado e o ajuda com atividades diárias.
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Quero receberEm Pixaim, o tempo parou
A chegada à comunidade ocorre apenas por barco. Ela fica ao lado da foz do Velho Chico —local visitada por milhares de pessoas todos os meses, e os quilombolas aproveitam para vender produtos como cocadas e peças simples de artesanatos.
A região da foz do rio era um dos principais destinos de fuga para os escravos que escapavam dos engenhos de açúcar da zona da mata alagoana. Os primeiros moradores de onde hoje fica Pixaim teriam chegado e fincado residência no início do século passado.
As casas de taipa (não é permitido construção de alvenaria no local pelo tipo de APA) guardam um cenário que indica que o tempo parece não ter passado: não há pessoas com celulares e carros ou motos circulando. A roupa é lavada no rio.
Também não há escola nem postos de saúde lá. As crianças de Pixaim precisam pegar um barco e viajar por ao menos 25 minutos até a comunidade Potengi — povoado mais próximo com escola, e ainda sem acesso pavimentado. O mesmo vale para fazer compras.
Para pacientes que precisam de atendimento médico, é preciso uma viagem de barco mais longa, de 40 minutos, até a cidade de Piaçabuçu.
O abastecimento de água hoje é feito por meio de poços cavados e retirada manual para cacimbas (uma escavação rasa).
"Fuga" de jovens
Isolados do mundo convencional, os quilombolas viram, ao longo dos anos, seus filhos saírem do local por falta de perspectivas. Sem condições de ter um aparelho eletrônico, como um telefone celular, jovens se mudaram para cidades próximas e voltam ao local apenas para visitar parentes.
"A vida aqui é solitária. Eu tenho aqui irmãos, mas todo mundo dorme cedo porque tudo fica escuro, ninguém fica saindo à noite", conta Manoel Amilton dos Santos, 48.
Ele afirma que, agora com a energia, está dormindo um pouco mais tarde porque comprou uma "pequena TV velha".
Fico assistindo tudo que passa, é muito bom. Nunca tinha tido uma TV. Então estou indo dormir umas 20h — sem energia, era antes das 19h. Não tinha nada o que fazer.
Arroz acabou após água ficar salgada
Sem trabalho no local, a maioria da comunidade recebe o Bolsa Família como fonte de renda. Entretanto, até os anos 1980, eles cultivavam arroz nas terras férteis do local.
Os mais antigos relatam que, após a construção das barragens de hidrelétricas no curso do rio, o 'mar avançou' e deixou a água salobra. "A água ficou salgada, acabou tudo, não dá mais para plantar", cita Antônio do Santos Trindade, 40.
Ele é uma das pessoas que mantêm atividade comercial no local: um bar que usa gelo comprado na comunidade vizinha de dois em dois dias.
Além disso, com uma bateria de caminhão, ele mantém as luzes acessas e um som para animar quem vai ao local. Como o projeto levou energia apenas para sua casa, o bar seguirá (pelo menos por ora) no mesmo modelo.
Mas Antônio é só alegria porque deixou o antigo candeeiro de lado. A melhora principal, diz, vem com a geladeira.
Sem geladeira, a gente pesca e coloca o peixe no sal e no sol para conservar. Mas comer peixe seco é muito ruim, agora vamos ter peixe fresco, água gelada.
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