Carlos Madeiro

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MP tenta anular licença de parque eólico em área de caatinga intacta no RN

O Ministério Público do Rio Grande do Norte pediu ao governo estadual o imediato cancelamento da licença ambiental para instalação de um complexo eólico na área da Serra do Feiticeiro, no município de Lajes, uma das raras regiões que ainda guardam caatinga intacta.

A área é considerada especial pela biodiversidade, com a presença de de espécies raras e ameaçadas de extinção, segundo o MP e especialistas consultados pelo UOL. Por isso é classificada como área de "importância biológica extremamente alta". A liberação do empreendimento gigante causou revolta em pesquisadores, que também querem a revogação da licença.

A região é apontada como a número um das áreas prioritárias para a conservação do bioma no estado, segundo o projeto "Oportunidades de Criação de Unidades de Conservação na Caatinga", da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e da entidade de preservação ambiental WCS/Brasil (Wildlife Conservation Society).

Governo ignorou veto inicial a projeto, diz MP

O processo sobre o Complexo Eólico Ventos de São Ricardo está em andamento desde 2014, e o MP reclama que o Idema (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN) autorizou a instalação mesmo depois da recomendação de veto feita dentro do próprio órgão estadual.

De acordo com o MP, o posicionamento contrário do Nupe (Núcleo de licenciamento de Parques Eólicos) ao projeto foi "amplamente" fundamentado na importância daquela área para a conservação da caatinga.

O Idema informou ao UOL que solicitou ao MP que envie os documentos que embasaram a recomendação e afirma que só se pronunciará após analisar esse material.

A coluna não obteve resposta da empresa Ventos de São Ricardo Energias Renováveis, responsável pelo empreendimento.

O projeto do complexo eólico prevê

  • instalação de 102 aerogeradores (seria uma das cinco maiores do país);
  • potencial de gerar de 632,4 MW de energia (capaz de atender a cerca de 4,7 milhões de pessoas);
  • ocupacão de uma área de 1,88 mil hectares (18,9 km²), parcialmente inserida na Serra do Feiticeiro.
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Animais sob ameaça vivem na região

Onça-parda, espécie que vive na serra do Feiticeiro
Onça-parda, espécie que vive na serra do Feiticeiro Imagem: Alessandro Vieira/Sedest/PR/Divulgação

Entre os animais ameaçados de extinção que vivem no local estão a jaguatirica e a onça-parda, além de alguns tipos de aves e gatos silvestres.

O MP relata que estudos apresentados pela própria empresa cita espécies "ameaçadas e raras das quais ainda não se tinha registro na serra"

Essa área é importante para o ecossistema porque ainda é pouco explorada, tanto do ponto de vista social como produtivo e econômico. Tem espécies endêmicas, de fauna e flora, que são muito importantes. A caatinga é um bioma pouco preservado, e quando se recomenda não instalar parque numa área dessas é para manter o equilíbrio ecológico.
Zoraide Souza Pessoa, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios da UFRN

Para ela, a autorização dada pelo Idema, após a rejeição inicial, revela um "lado contraditório das licenças" dadas a empreendimentos não só no Rio Grande do Norte mas em todo o Nordeste.

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A gente tem uma carência de regras claras de como e onde vão ser instalados. O licenciamento ambiental, que é um instrumento de controle importante, vem sendo bastante descaracterizado.
Zoraide Souza Pessoa

RN tem 267 parques eólicos, diz professor

O pesquisador Rodrigo Guimarães, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, afirma que empreendimentos eólicos se instalam há 17 anos no estado e hoje há 267 parques em operação, com 2.325 aerogeradores em operação em 41 municípios.

É uma expansão que abrange área significativa do estado, principalmente áreas muito frágeis ambientalmente. Os parques eólicos procuram, inicialmente, as áreas mais baixas no litoral, que é extremamente dinâmico, com muitas vulnerabilidades, comunidades tradicionais, e depois vai para as áreas altas, como a serra.
Rodrigo Guimarães

Ele cita que os dados ambientais no estado deveriam ser utilizados como base para os processos de licenciamento, definindo zonas de exclusão de áreas prioritárias — como a Serra do Feiticeiro.

Essa área tem uma importância prioritária e muito alta, e isso não interferiu no processo dos licenciamentos.
Rodrigo Guimarães

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Em razão disso, o MP pede ainda que o governo do estado crie uma unidade de conservação de proteção integral da Serra do Feiticeiro e das serras adjacentes — diante da "importância ambiental já confirmada por meio de estudos e portaria pelo Ministério do Meio Ambiente."

Parque eólico próximo a São Miguel do Gostoso (RN)
Parque eólico próximo a São Miguel do Gostoso (RN) Imagem: Rafaela Borges/UOL

Nordeste tem ocupação extensa de parques eólicos

Vista como uma forma de energia limpa e incentivada pelos governos estaduais e federal, os parques eólicos e usinas para geração de energia solar se alastraram pelo Nordeste, causando junto impactos ambientais e sociais relevantes.

A principal crítica se refere ao modelo adotado: empresas arrendam áreas — muitas vezes sem uma consulta coletiva — e instalam empreendimentos que mudam a dinâmica da vida no campo.

O governo federal tem defendido a produção de energia limpa como estratégica para o país e ao, mesmo tempo, quer responder às críticas de problemas no semiárido — região em que o presidente Lula (PT) e aliados obtiveram vitória as últimas eleições.

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Em setembro, o governo reuniu ministérios e criou uma mesa de diálogo sobre direitos e impactos das energias renováveis.

A presidente executiva da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias), Elbia Gannoum, admite que primeiros projetos foram feitos ainda sem a devida expertise, mas diz que o setor passa por uma evolução técnica, ambiental e social.

O Brasil está evoluindo em energia eólica. Já estamos tentando entender os problemas e trazer soluções.
Elbia Gannoum

Torres instaladas no Ceará proíbem acesso de moradores e prejudica comunidade local
Torres instaladas no Ceará proíbem acesso de moradores e prejudica comunidade local Imagem: Acervo pessoal

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