Por que seca histórica do país 'poupa' o semiárido com chuva acima da média
O Brasil está enfrentando uma seca histórica neste momento, com índices de estiagem e influência no solo que se destacam por serem os mais extremos desde o início das medições, segundo dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
Entretanto, a região mais castigada historicamente por secas, o semiárido, está "poupada" e teve até chuvas acima da média no primeiro trimestre do ano, mesmo sob influência do El Niño ativo —fenômeno que, em regra, reduz as precipitações na região.
Segundo o mapa de secas do Cemaden de agosto, no semiárido, apenas o estado de Sergipe tem maioria de municípios enfrentando seca, mas em condição moderada/severa, abaixo de classificações como extrema e excepcional.
Uma nota do Inmet aponta que o primeiro trimestre deste ano foi de boas chuvas para a região, em contraste com o que houve nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste.
A temperatura acima da média no Oceano Atlântico Tropical, influenciando no posicionamento e na intensidade da Zona de Convergência Intertropical, favoreceu a chuva acima da média na região se sobrepondo aos efeitos do El Niño que seriam tipicamente de baixa precipitação no Nordeste.
Inmet
Mas por que isso?
Segundo o climatologista José Marengo, do Cemaden e do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, é preciso entender primeiro que a dinâmica de estiagens e chuvas é natural no ciclo climático —e todas as áreas são sujeitas a picos. "As secas acontecem no Brasil, e às vezes na mesma área; outras vezes, não", diz.
Ele cita que há áreas do semiárido enfrentando seca, mas em patamares menores daqueles enfrentados na década passada, por exemplo. "Há áreas na bacia do São Francisco com seca moderada, mas no semiárido mesmo do Nordeste a situação está dentro daquilo que pode ser definido como normal."
Marengo ainda lembra que as regiões que estão em seca não enfrentam problema de agora. "Isso é a continuidade da estação chuvosa fraca. Então, esta situação realmente começou em 2023 e se prolongou em 2024".
Tudo isso deve 'terminar' em outubro, se as chuvas começarem como esperado climatologicamente. No ciclo passado, as chuvas começaram apenas em janeiro de 2024, e choveu pouco na Amazônia. Foi uma estação chuvosa de verão, tardia e fraca.
José Marengo
E o El Niño?
Segundo Washington Franca Rocha, professor da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) e coordenador da rede Mapbiomas na área de Caatinga, o El Niño é sempre um "sinal de alerta para a região." "Mas a natureza é complexa, e o clima não segue sempre as mesmas regras."
Ele também lembra que a região semiárida oscila historicamente entre temporadas de chuva e longos períodos de estiagem, com a primeira grande seca notificada em 1553.
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Quero receber"A análise da linha do tempo das secas no Nordeste revela essa alternância entre secas e períodos chuvosos. É uma característica marcante da região", diz.
Segundo Rocha, há fatores que precisam ser levados em conta para entender porque O El Niño —que terminou no primeiro semestre deste ano— não impactou o semiárido como em outros momentos.
Vários fatores podem ter contribuído. Primeiro, o El Niño deste ano foi relativamente fraco e seus efeitos não se manifestaram da mesma forma em todas as regiões. Além disso, outros fenômenos climáticos, como o La Niña que está se formando, podem ter compensado a influência do El Niño no semiárido, trazendo mais umidade e chuvas.
Washington Rocha
Para José Marengo, existem situações de seca no Nordeste que não têm relação com o El Niño, em especial o aquecimento do Atlântico Norte.
Não existe uma correlação entre o El Niño e chuva no Nordeste de 100%. Exemplo: tivemos entre 2015 e 16, e uma seca tinha começado em 2012 por ação do oceano Atlântico Tropical Norte, que estava mais quente. E em 2017 e 2018 não foram anos de El Niño, mas a seca continuou na região.
José Marengo
Para ele, o clima já está alterado em todo o planeta, e a seca que o país enfrenta pode ser um reflexo dessa situação.
As mudanças climáticas estão alterando os padrões de chuva em todo o mundo, e o semiárido não está imune a isso. Podemos estar vendo um novo padrão, com eventos climáticos mais extremos, incluindo secas e chuvas intensas. Mas também é possível que essa situação seja apenas uma combinação de fatores climáticos favoráveis neste ano.
José Marengo
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