Carlos Madeiro

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Reportagem

Agricultores querem impedir usinas eólica e solar em área estratégica na PB

Formado por 13 municípios paraibanos, o Polo da Borborema é uma referência na produção agroecológica familiar no Nordeste e luta para impedir que grandes usinas de energia eólica ou solar se instalem na área hoje ocupada para produção de alimentos.

O local é estratégico para o setor de energia pelo grande potencial de ventos e sol e está sendo visitado por grandes grupos, que já conversaram com moradores, entidades e governos.

Por que impasse preocupa governo

Agricultores, entidades e o MPF (Ministério Público Federal) na Paraíba entendem que o local é inadequado, além de o modelo adotado não ser justo para as famílias locais e trazer impactos ambientais.

Já as empresas alegam que os seguem todas as regras ambientais. No caso da eólica, por ser algo novo no Brasil, admite-se que projetos iniciais causaram impactos indesejados, mas que tentam corrigir em novos empreendimentos.

No meio da polêmica, o governo Lula realiza uma visita interministerial no local até o dia 31, que também vai ouvir moradores de comunidades que reclamam dos impactos onde esses empreendimentos já foram instalados.

O modelo defendido pelos moradores é o de geração de energia limpa descentralizado na região, com instalação de placas atendendo casas ou pequenos grupos.

Esse polo é cheio de agricultura familiar diversificada, mas que não foca só em produzir o alimento: traz o respeito à agrobiodiversidade, o respeito à natureza para que a gente possa produzir comida que alimenta de verdade.
Gizelda Bezerra Lopes, presidente da cooperativa camponesa do território

Por que as críticas às usinas?

O Nordeste tem sido alvo nos últimos anos de uma ocupação rápida e extensa desses parques.

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Incentivados por ser uma forma de energia limpa, a crítica se refere ao modelo adotado: empresas arrendam áreas —muitas vezes sem uma consulta coletiva— e instalam empreendimentos que mudam a dinâmica da vida no campo.

As críticas causam preocupação ao governo federal, que defende a produção de energia limpa como estratégica para o país; ao mesmo tempo, quer resolver os impactos e críticas no semiárido —região em que presidente e aliados têm tido vitórias eleitorais folgadas nas últimas disputas.

Em setembro, o governo reuniu ministérios e criou uma mesa de diálogo sobre direitos e impactos das energias renováveis, que está debatendo o tema e vendo formas de minimizar esses impactos.

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Imagem: Arte/UOL

MPF vê modelo com erros

O procurador José Godoy, do MPF na Paraíba, afirma que o problema não está na energia, mas no modelo econômico adotado pelas empresas.

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No caso da Paraíba, ele cita que nem sequer há um zoneamento de áreas ou exigência de EIA/RIMA (estudo e relatório de impactos ambientais) para se dar licença prévia para obras.

Não há uma política de definição de espaços destinados para energia. Isso fica a cargo de empresas que vencem leilões e decidem onde vão colocar seus parques.

Godoy cita que esse modelo não é só na Paraíba, mas avança pelo semiárido nordestino, ocupando até áreas de comunidades tradicionais sem consulta prévia dos povos.

Ele afirma que os contratos hoje são feitos de forma individual, com cláusula de sigilo e com grandes desvantagens não notadas por pessoas de baixa instrução, que assinam cooptadas pelas promessas das empresas. Cita que o dono do território que cede a área recebe apenas 1% do total de energia vendida.

Não há um parâmetro mínimo com as negociações: são contratos prejudiciais a comunidades e abusivos a quem assina. Os contratos não levam em conta o potencial energético. E eles deixam de lado a chance de uma autonomia energética porque, mesmo cedendo áreas, a grande maioria das pessoas tem energia cara e apenas monofásica [de baixa intensidade].

Torres instaladas no Ceará proíbem acesso de moradores e prejudica comunidade local
Torres instaladas no Ceará proíbem acesso de moradores e prejudica comunidade local Imagem: Acervo pessoal
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Comunidade teme

Temos um potencial muito forte para energia solar, e diante de tudo que a gente estudou, sabe-se que esse não é um modelo de energia renovável viável para a agricultura familiar; e ocupamos um território onde, na sua maioria, a prática é a agricultura familiar produção vegetal.
Adailma Ezequiel, 33, agricultora de Queimadas (PB)

A gente visitou e estudou os casos. Vimos que, em outros lugares, são grandes empreendimentos que só vêm para servir ao capital e prejudicam muito a agricultura familiar, a vivência do homem, da mulher e do jovem do campo.
Maria do Céu Silva, agricultora familiar de Solânea (PB) e da coordenação do Polo da Borborema

Xerém, feito de milho, produzido pelo Polo da Borborema (PB)
Xerém, feito de milho, produzido pelo Polo da Borborema (PB) Imagem: Divulgação

O que dizem as empresas

A presidente executiva da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias), Elbia Gannoum, admite que primeiros projetos foram feitos ainda sem a devida expertise, mas diz que o setor vem passando por evolução nas questões técnica, ambiental e social.

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Os processos produtivos estão passando por discussões sobre os impactos da atividade econômica. Essa evolução está sendo muito importante porque o Brasil está evoluindo em energia eólica. Já estamos tentando entender os problemas e trazer soluções.
Elbia Gannoum

Sobre o caso do Polo da Borborema, ela conta que foi até o local e conversou com moradores e entidades e viu uma rejeição quase absoluta aos parques.

Eles têm muita opinião com base em informações distorcidas, já criaram um preconceito com a energia. Lá já se tornou um problema de difícil solução, porque as pessoas dizem que vai afetar e não querem.
Elbia Gannoum

Elibia afirma que a energia eólica ocupa apenas 5% de uma área e as torres trazem "baixíssimo impacto em regiões agrícolas', o que a faz poder conviver em qualquer região produtiva.

O que acontece é que ela muda a natureza da região, traz mais movimento ao local. O que notei é que as pessoas não querem perder o sossego que têm há 300, 400 anos. É como se não quisessem progresso maior, viveram ali a vida toda, produzem e gostam da vida rural; eles estão felizes. É agora um problema do poder público, não é mais um problema técnico.

Publicação distribuída pelas entidades contra a instalação de usinas no Polo da Borborema (PB)
Publicação distribuída pelas entidades contra a instalação de usinas no Polo da Borborema (PB) Imagem: Divulgação
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Em nota, a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) não cita o caso do polo, mas diz que, "pelas suas características técnicas e econômicas, a ampla maioria destes empreendimentos é construída em locais com menor densidade demográfica e em terrenos já antropizados e de baixa produtividade, que normalmente não seriam aproveitados para outras atividades."

Diz que a implantação de grandes usinas atende a "rigorosos requisitos legais" e que, desde a concepção dos projetos, são realizadas "interações" com as comunidades e gestores públicos para se estabelecer planos de atuação conjuntos.

A ABSOLAR incentiva que seus associados orientem seus estudos e ações com base nos mais elevados padrões internacionais [que] consideram, por exemplo, que tratativas locais sejam justas e transparentes, em especial com populações mais vulneráveis.

O Parque Solar Nova Olinda, no município de Ribeira do Piauí
O Parque Solar Nova Olinda, no município de Ribeira do Piauí Imagem: Governo do Piauí

Governo tenta mediar

O UOL procurou os órgãos estaduais e federais, veja o que falaram:

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O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar diz que vem acompanhando de perto a questão e que está firmando parceria com universidades públicas da região do Seridó (onde fica o polo), para "publicação de edital de protocolos de consulta [a povos tradicionais] a serem desenvolvidos pelas comunidades afetadas."

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) afirmou que tem relatos de agricultores familiares de áreas assentadas dos impactos causados pelas usinas. "A autarquia irá a campo, junto com os demais órgãos governamentais, a fim de examinar a situação in loco."

O Ministério de Minas e Energia informou que "tem conversado com a Secretaria Geral da Presidência da República sobre a mesa de diálogo". "Neste sentido, cabe ressaltar que as ações estão em planejamento."

A Sudema (Superintendência de Administração do Meio Ambiente) —ligada ao governo da Paraíba— afirma que o licenciamento ambiental segue resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que "traz a exigência de um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) como estudo inicial a ser apresentado pelo interessado."

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que informou a legenda da foto do Parque Solar Nova Olinda (PI), a usina não é a maior em operação na América Latina -- o maior do país é o Complexo Solar de Janaúba (MG).

Reportagem

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