Carlos Madeiro

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Reportagem

Candidata negra perde vaga após ação de médica branca contra cotas da UFBA

Uma médica negra aprovada pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) para o cargo de professora de otorrinolaringologia teve a sua nomeação impedida por uma decisão liminar que destinou a vaga para uma profissional branca que teve nota maior —e que questionou na Justiça Federal o uso da cota como critério de escolha.

Lorena Pinheiro, 39, se inscreveu como candidata autodeclarada negra e teve homologada sua colocação no dia 13 de agosto. O edital da seleção previa que, para os casos de apenas uma vaga, o critério de cota seria o primeiro para escolha.

Entretanto, a juíza Arali Maciel Duarte, da 1ª Vara Federal Cível da Bahia, determinou a mudança do critério de escolha e proibiu a nomeação de cotista para vaga. A UFBA informou que nomeou a indicada pela Justiça, Carolina Cincurá Barreto, mas que vai recorrer da decisão.

A coluna procurou o advogado de Carolina, mas não teve resposta.

Coube à universidade o cumprimento da determinação judicial com força executória, nomeando, a título precário, a candidata Carolina Cincurá Barreto, impetrante da ação.
UFBA, em nota

Entenda o caso

O edital do concurso da UFBA foi lançado em dezembro de 2023 e previa 30 vagas para professores de várias áreas, entre elas a de otorrinolaringologia.

Na ação, Carolina cita que sua nota final foi de 9,40, acima da de Lorena —de 7,67, quarta nota geral. Como só há uma vaga, a defesa alega que não poderia haver cota e que o sistema só prevê esse critério quando há "um número de vagas [a partir de três] capazes de suportar a aplicação de tais percentuais."

A Lei das Cotas, de 2014, prevê reserva mínima de 20% de vagas para negros negros e 5% para deficientes. A defesa questiona a validade do edital da seleção, que "não especificou quais seriam as vagas reservadas aos candidatos negros".

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Segundo consultou a coluna, o edital explica no item 7.6 que candidatos com deficiência e negros "ocuparão a primeira vaga respectiva, ainda que esta seja a única e as suas classificações não lhes garantam a primeira posição, desde que tenham sido aprovados/as."

A juíza acolheu os argumentos da médica Carolina e no dia 13 de junho determinou a nomeação dela, alegando que a regra do edital "implicará a concessão de 100% das vagas para candidatos cotistas, em afronta ao direito de quem se submeteu à ampla concorrência e obteve notas mais altas".

Na sentença, a juíza ainda diz que as cotas não podem, "sob qualquer perspectiva, suplantar as bases estruturais e genéticas do Instituto Jurídico, eminentemente meritocráticas".

É da essência de um concurso público para o magistério superior escolher, entre os candidatos concorrentes, aquele que demonstrou melhor preparo e inteligência.
Juíza Arali Maciel Duarte, em decisão

Ela ainda afirma que a forma como o edital foi feito, "retira da candidata que logrou ser aprovada em primeiro lugar no processo seletivo o direito de ocupar a única vaga aberta para o cargo almejado, desrespeitando o seu direito adquirido".

Fachada da Faculdade de Medicina da UFBA, de 1808
Fachada da Faculdade de Medicina da UFBA, de 1808 Imagem: Memorial da Medixina Brasieira/UFBA
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UFBA diz que regra estava no edital

Segundo a UFBA, a decisão da juíza foi tomada "sem que a universidade fosse intimada a se manifestar". A instituição agora prepara recurso para reverter o cenário. Lorena já entrou como parte no processo por meio litisconsorte (quando mais pessoas passam a integrar um lado da ação).

A UFBA explicou que adota a Lei de Cotas em seus concursos "considerando a totalidade de vagas do edital" e sem aplicar "qualquer fracionamento sobre especialidades ou áreas".

Até 2018, diz a UFBA, a cota era aplicada apenas nas áreas com três ou mais vagas. Entretanto, a instituição diz ter entendido que, como as vagas de docência são, em regra, menores que três, "a aplicação da lei não era possível, inviabilizando, na prática, a política afirmativa de inclusão."

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Pela regra atual, o candidato autodeclarado negro ou com deficiência mais bem classificado em sua área de conhecimento é chamado para ter sua condição confirmada e ocupará a vaga "ainda que esta seja única e a sua ordem na classificação não lhe garanta a primeira posição geral".

"Vou lutar até o última instância"

Lorena é médica formada em 2010 pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e terminou o doutorado na área na UFBA em dezembro de 2023. Ela diz que passou pela comissão de heteroidentificação em julho e que. após ser homologada como primeira na vaga, estava ansiosa pelo chamado.

Entretanto, no dia 21, viu a convocação da outra profissional no Diário Oficial. "Eu entrava para ver se tinha a nomeação todos os dias, quando vi o nome dela. Essa decisão me machuca muito porque o pedido foi feito antes mesmo de eu passar pela heteroidentificação, ou seja, antes de ser homologada", diz.

Esta é a primeira Faculdade de Medicina no Brasil [de 18 de fevereiro de 1808]. Ela existiu oito décadas ainda sob a escravidão, quando o povo negro nem sequer podia pisar na universidade. Essa decisão é muita emblemática porque a Lei de Cotas garante a nós acesso a carreiras que jamais nos foram permitidas.
Lorena Pinheiro, médica

Se conseguir reverter a situação, ela será a primeira docente de medicina negra a entrar por meio de cotas.

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Eu confio na Justiça e vou lutar até a última instância porque, entrando como docente, eu serei uma representante e exemplo para outros médicos jovens de mesma origem identitária de que eles podem fazer mestrado e doutorado. Passei por várias faculdades, mas nunca tive professores de medicina negros.
Lorena Pinheiro

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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