Carlos Madeiro

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Ceará vê avanço de facção carioca TCP em disputa com o Comando Vermelho

Rival do CV (Comando Vermelho) no Rio de Janeiro, a facção criminosa TCP (Terceiro Comando Puro) tenta ampliar sua atuação no Ceará, estado estratégico para o tráfico de drogas.

O grupo ficou conhecido pela intolerância a religiões de matriz africana e usando o nome de Deus para controlar áreas no Rio —seus líderes são evangélicos. Um dos símbolos usados pela facção é bandeira de Israel — presente, por exemplo, em informe no qual convoca criminosos no estado.

Repetindo a disputa fluminense, o grupo tem como alvo no Ceará o CV, de quem tenta tomar territórios por meio da violência. Fora do Rio, o grupo só atuava no Amazonas, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O saldo da disputa já é visto nas ruas cearenses. O maior deles, no último dia 7, veio com uma tentativa de chacina na Barra do Ceará, bairro mais antigo de Fortaleza: duas pessoas foram mortas e outras 15 ficaram feridas por tiros.

Ação da PM no último dia 8 no bairro Barra do Ceará, em Fortaleza
Ação da PM no último dia 8 no bairro Barra do Ceará, em Fortaleza Imagem: SSPDS/CE

Exposição nas redes sociais

A presença do TCP no Ceará é vista em vídeos do grupo no Youtube e em pichações em muros — muitas em áreas que estavam sob domínio da GDE. Os vídeos são divulgados livremente na plataforma e são usados para mostrar crimes e armas.

Segundo o advogado criminalista Claudio Justa, ex-presidente do Conselho Penitenciário e da Comissão de Segurança Pública da OAB/CE, a ação do grupo na Barra do Ceará revela que a facção finca no Ceará uma disputa de extrema rivalidade com o CV.

Aparentemente, ela é uma dissidência no Nordeste do próprio CV. Inclusive, os territórios que disputam são territórios dominados por esse rival.
Claudio Justa, advogado criminalista

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Para Justa, a hipótese mais provável sobre o início da atuação do grupo é que líderes se rebelaram do CV no estado e fizeram uma conexão com o grupo rival carioca.

Em regra, diz, são essas lideranças dissidentes que assumem e cooptam jovens especialmente para as chamadas "retomadas de território" ou para tomar áreas da facção rival -- quando conseguem, ganham pontos na guerra de ruas.

Quando ocorrem essas rupturas dentro de uma facção grande, pressupomos que existe financiamento de uma facção rival. Quando há uma facção em confronto direto com outra, em via de regra é uma dissidência dentro dessa mesma facção.
Claudio Justa

Proximidade com a Europa

O Ceará é um dos estados mais estratégicos para o crime organizado no país dada sua localização: tem parte do litoral norte do país, mais próximo da Europa e dos Estados Unidos que o Rio e São Paulo, e com acesso à rota Solimões, por onde chegam drogas de países como o Peru e a Colômbia.

Isso leva a uma disputa entre narcotraficantes pelo estado, que em anos anteriores sofreu com alguns dos maiores índices de homicídios do paísresultante da guerra entre os grupos. Em 2023, o estado viu a violência diminuir na capital e aumentar no interior.

Além das duas facções cariocas, o PCC tem ação consolidada no Ceará. Há ainda um novo grupo criminoso local chamado Massa que atua no estado.

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O TCP surge em um momento em que a mais forte facção local, a facção GDE (Guardiões do Estado) enfraquece. Conhecido pelo uso de violência extrema para controlar territórios, o grupo perdeu espaço, o que teria aberto brechas para o TCP cooptar jovens em Fortaleza e outras cidades.

Em bairro de Fortaleza dominado pela facção GDE, há ameaças a quem não entrar no local se identificando
Em bairro de Fortaleza dominado pela facção GDE, há ameaças a quem não entrar no local se identificando Imagem: Luís Adorno/UOL

Apesar de a GDE e o TCP não se enfrentarem neste momento, Cláudio Justa afirma que não há união entre as duas facções. "O TCP não está focado na GDE. Existe uma paz não pactuada, porque o foco é realmente conquistar os territórios do CV."

Em um dos raps dos vídeos, o TCP diz estar "de braços abertos" para receber integrantes vindos de outros grupos. A facção prega uma ação "contra opressão" e por "união e liberdade."

Uma mensagem distribuída no WhastApp no último dia 5 e atribuída à liderança do TCP traz um "convite" a criminosos do Ceará e cita como motivo o "cansaço da opressão que as facções predominantes no estado."

Guerra com o CV

Muro pichado com a sigla TCP em Fortaleza
Muro pichado com a sigla TCP em Fortaleza Imagem: Arquivo pessoal

Para Luiz Fábio Paiva, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará), é cedo para afirma que o TCP vai se consolidar no Ceará.

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É preciso ver como os outros atores que atuam na dinâmica criminal vão se comportar e quais são as condições que o grupo terá; seja para se sustentar dentro do estado, ou expandir a ponto de rivalizar com os grupos já consolidados.
Luiz Paiva

Paiva ressalta que, apesar de o TCP ser rival do CV no Rio, o grupo tem uma estatura menor, com menos poder de fogo.

O CV já atua de forma efetiva em escala nacional. Tem células que funcionam quase que de maneira autônoma, carregando fortemente essa marca com relações com os membros no Rio. O CV Ceará já tem expertise dentro do estado, tem um conjunto de relações.

Segundo o pesquisador, grupos criminosos têm conexões nacionais e transnacionais, que impactam na dinâmica do crime em todo o Brasil. Ao mesmo tempo, como as facções são grupos dinâmicos, eles podem emergir e perder força de forma rápida.

Estado diz usar inteligência

Ao UOL a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social informou que a Polícia Civil está apurando "todas as informações de ações criminosas que chegam ao conhecimento das autoridades policiais."

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A pasta diz ainda que, no caso da investigação sobre a chegada da TCP, os "setores de Inteligências das Forças de Segurança do Estado auxiliam os trabalhos."

Por fim, afirma que a população pode contribuir de forma anônima com as investigações repassando informações que auxiliem a polícia.

Para isso, informou dois contatos:

  • 181, que é o Disque-Denúncia da SSPDS
  • (85) 3101-0181, número de WhatsApp que recebe mensagem, áudio, vídeo e foto

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