Carlos Madeiro

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TJ-AL veta lei que obriga mulher ver imagens de fetos antes de aborto legal

O desembargador Fábio Costa Ferrario, do TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas), suspendeu a lei promulgada pela Câmara de Maceió que obrigava, entre outras coisas, a gestante a ver imagens de fetos antes da realização de um aborto legal na rede pública de saúde Maceió.

A decisão foi dada na quinta (18) e atende a um pedido de liminar dentro da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Defensoria Pública do Estado. O caso agora será analisado pelo pleno do tribunal — ainda sem data marcada.

A defensoria alegou que o município não tem competência para legislar sobre o tema e também que a lei cria "empecilhos inexistentes ao gozo do direito ao aborto legal, como também ao próprio direito à vida e à dignidade das mulheres em situação de extrema vulnerabilidade psicológica".

A referida lei não busca cuidar da saúde das mulheres, uma vez que não traz qualquer disposição de acolhimento humanizado e de se resguardar a autonomia e saúde à mulher que decida por realizar o procedimento. Ao contrário, desconsidera e tripudia das consequências psicológicas e emocionais de se levar a termo, forçadamente, uma gravidez decorrente de uma violência sexual, por exemplo.
Defensoria Pública do Estado

Além do pedido da defensoria, o desembargador cita que um parecer da própria Procuradoria da Câmara e outro da Procuradoria-Geral do Município já falam sobre a inconstitucionalidade da lei.

Fica evidente a ausência de peculiar e restrito interesse local, na medida em que a matéria atinente ao aborto não se limita à realidade das mulheres maceioenses, tampouco existe uma situação fática específica e particular que justifique o tratamento do referido tema de maneira diferente pelo município de Maceió, ou seja, submetendo as mulheres maceioenses, de forma desarrazoada, a uma realidade diversa e limitadora das demais do país
Desembargador Fábio Ferrario

O UOL procurou a Câmara de Vereadores, que diz aguardar a notificação oficial para saber que encaminhamento jurídico será dado.

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Imagem: Getty Images

O que dizia a lei

A lei determinava que, na rede municipal de saúde, as mulheres deveriam ter encontros com equipes para ver imagens e receber "orientações sobre riscos e as consequências" do procedimento.

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O projeto é de autoria do vereador Leonardo Dias (PL) e foi aprovado em fevereiro com 22 votos a favor e uma abstenção. Como o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), não sancionou nem vetou a lei, a Câmara decidiu promulgá-la.

O texto determina que equipes multiprofissionais devam ser capacitadas para atuar prestando "esclarecimentos" não só à mulher, mas também a seus familiares, sobre os "riscos do procedimento e suas consequências físicas e psicológicas."

Entre as "orientações" citadas, a lei obriga a uma apresentação "de forma detalhada e didática", "por meio de vídeos e imagens", dos "métodos utilizados para executar o aborto, se valendo, inclusive, de ilustrações do desenvolvimento do feto semana a semana."

A lei estabelece que é necessário apresentar à mulher o programa de adoção.

Argumentos são falsos, diz especialista

Na lei também chama a atenção uma lista com 16 possíveis "efeitos colaterais" que devem ser apresentados a mulheres que buscam o procedimento — entre eles o "choro desmotivado, medos e pesadelos" e os "sentimentos de remorso e culpa."

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O médico Olímpio Moraes, diretor da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros) e professor de medicina da UPE (Universidade de Pernambuco), rebateu os argumentos usados para aprovação da lei.

É muito triste ver uma lei baseada em mentiras, com conteúdo baseado não na ciência, mas feito somente para a mulher desistir do abortamento seguro, que é o procedimento mais seguro em obstetrícia, quando feito em um hospital. Um parto normal é dezenas de vezes mais perigoso.
Olímpio Moraes

8.mai.2018 - Obstetra Olímpio Moraes
8.mai.2018 - Obstetra Olímpio Moraes Imagem: Teresa Maia/UOL

Para Moraes, "é mentira também dizer que a mulher vai ficar com sequelas" como as citadas na lei de Maceió.

Sequelas as mulheres ficam quando têm retirado o direito à autonomia, à vontade delas. Obrigar uma mulher a conduzir uma gravidez quando há risco de morte é que pode levar à morte. Não tenho dúvida nenhuma que o que querem é matar as mulheres.
Olímpio Moraes

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