CE cita apego e diz que 87% de moradores de área em disputa não querem o PI
O governo do Ceará apresentou ontem um levantamento feito com 417 famílias que moram na área do secular litígio na divisa com o Piauí. Segundo os dados divulgados, 87,5% das pessoas ouvidas preferem viver no lado cearense e só 12,5%, no piauiense.
A pesquisa amostral foi coordenada pela PGE (Procuradoria Geral do Estado) do Ceará. Segundo o órgão, cerca de 20% das entrevistas foram feitas no lado do Piauí —o número exato não foi informado, nem os resultados por município. O levantamento foi feito entre abril e junho de 2023.
Ao todo, a área em disputa tem 2.874 km². Dessa região, 76% pertencem ao Ceará e 24%, ao Piauí. Na área de litígio vivem 25 mil moradores, em 13 municípios, que mudariam de estado caso haja alteração de divisa.
Caso no STF
O governo do Piauí disse que não comentaria a pesquisa feita pelo Ceará e que aguarda perícia do Exército para decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Uma nota técnica foi produzida pelo Ceará com os resultados da pesquisa e será anexada como defesa na ação que o governo do Piauí move no STF desde 2011, reivindicando a mudança da divisa entre os dois estados.
Uma das evidências mais significativas deste estudo é a forte conexão histórica e cultural dos moradores da área de litígio com o estado do Ceará. Os entrevistados que declararam preferência pelo Piauí residem em localidades já administradas por esse Estado e/ou nasceram no Piauí, possuindo vínculo emocional e cultural com aquele Estado.
Nota técnica do Ceará que será enviada ao STF
O questionamento piauiense de que a área foi apropriada de forma indevida, porém, é bem mais antigo e remonta a 1752.
A relatora do caso no STF é a ministra Cármen Lúcia, que solicitou uma perícia do Exército para dirimir as dúvidas e decidir sobre o litígio. O resultado do estudo deve ser apresentado em maio.
'Pertencimento não se muda com caneta'
Segundo Rafael Machado Moraes, procurador-geral do Estado do Ceará, a questão no STF "não pode ser resolvida apenas no aspecto jurídico".
O litígio só existe no papel, na ação; não existe para as pessoas. O estado do Ceará vem atuando no processo de dar voz a essas pessoas. Território não é apenas terra, é integrado por gente, e aí vêm cultura, história, tradição. Pertencimento não se muda com uma caneta.
Rafael Machado Moraes
De acordo com averiguação feita pelo governo cearense, 4 sedes de distritos cearenses mudarão de estado, caso a alteração de divisão proposta pelo Piauí seja aceita. São eles:
- Santa Tereza (Croatá)
- Oiticica (Crateús)
- Cachoeira Grande (Poranga)
- Macambira (Poranga)
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Quero receberO procurador do Ceará alega que o Piauí está usando como argumento documentos históricos que seriam "altamente contestáveis em sua interpretação".
Estamos tratando de um território vivo, de pessoas que podem ser afetadas de forma muito intensa. Não é agora, 300 ou 400 anos depois, que se vai mudar isso. Temos uma posse incontestável.
Rafael Machado Moraes
A pesquisa com 417 famílias ainda aponta que:
- 97,2% têm escritura de propriedade registrada no Ceará
- 95,9% recebem energia pela distribuidora Enel (CE)
- 92,7% estudam em escolas públicas no lado cearense
- 81,8% nasceram no Ceará
- 76% usam serviço de saúde pública só do Ceará
- 50,1% moram no mesmo local há mais de 30 anos
Conclui-se que qualquer ação futura relacionada a essa disputa deve ser moldada com respeito à voz e aos interesses legítimos da população local, promovendo a democracia e a justiça social.
Nota técnica que será enviada ao STF
Entenda a disputa
Os piauienses alegam que tiveram parte do território invadida pelo estado vizinho. Eles questionam os marcos da divisa, com base no Decreto Imperial 3.012, de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias.
Por causa disso, em 2011, o governo do estado entrou com ação no STF em que alega que o limite dos estados é a "Serra Grande ou da Ibiapaba, sem outra interrupção além da [linha] do rio Puty [hoje chamado de Poti]".
O texto diz que o Piauí ficaria com "todas as vertentes ocidentais da serra", e o Ceará, com as orientais. O problema é que o Ceará ficou com terras ocidentais (a oeste) da serra, segundo afirma o Piauí.
O governo cearense questiona essa interpretação. Diz que "leis de criação de municípios, mapas e documentos históricos" provariam que a área em litígio estava sob domínio do Ceará antes de 1880.
Com a nota técnica, o Ceará também argumenta que a identidade cultural e a tradição dos moradores deve ser levada em conta na decisão.
Após tentativas de conciliação sem sucesso, o Exército deu início, em outubro de 2023, a uma perícia paga pelo Piauí e que está prevista para terminar em maio. O trabalho atende pedido da ministra Cármen Lúcia.
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