Carlos Madeiro

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Reportagem

Alvará de 1770 da Coroa é nova arma do Piauí em litígio contra Ceará no STF

O Piauí enviou ao STF um documento do ano de 1770 para sustentar que a Coroa Portuguesa concedeu ao estado a área onde hoje fica o município de Viçosa do Ceará. É um novo capítulo na disputa judicial com o Ceará por territórios.

O que aconteceu

O documento descoberto é o alvará da Coroa concedendo ao Piauí uma área que era de pertencimento de Pernambuco.

Trata-se da principal nova prova apresentada ao Exército, segundo Eric Melo, geógrafo e assistente técnico da PGE (Procuradoria Geral do Estado) do Piauí na ação. O documento ajudará a "mostrar os descumprimentos do Ceará às decisões da Coroa", declara.

A disputa para definir o limite entre os dois estados está em curso desde 2011, quando o governo do Piauí entrou com uma ação no STF. São 13 territórios, em uma área de 2.874 km² onde vivem 25 mil moradores.

Os piauienses alegam que tiveram parte invadida pelo estado vizinho. Eles questionam os marcos da divisa, com base no Decreto Imperial 3.012, de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias.

O governo cearense questiona essa interpretação. Diz que "leis de criação de municípios, mapas e documentos históricos" provariam que a área em litígio estava sob domínio do Ceará antes de 1880.

O Exército deu início no mês passado a uma perícia prevista para terminar em maio de 2024. O trabalho atende a um pedido da ministra Cármen Lúcia e deve jogar luz sobre o litígio que se arrasta desde 1758.

Capa de documento de 1770 anexado pelo Piauí em ação do STF contra o Ceará
Capa de documento de 1770 anexado pelo Piauí em ação do STF contra o Ceará Imagem: Reprodução

O que diz o servidor do Piauí

É um documento oficial que orienta a mudança de jurisdição de Viçosa, atual Viçosa do Ceará, para o Piauí. Não existe nenhum documento posterior a este [de 1770] que define a Villa de Viçosa como território do Ceará. No máximo, uma lei cearense apenas, e que altera seu nome para 'Viçosa do Ceará'.
Eric Melo, assistente técnico da PGE do PI

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Viçosa do Ceará tem 59 mil moradores, segundo o Censo de 2022 do IBGE. Emancipado em 1882, ele fica na região noroeste do estado e é o terceiro maior em população na área de litígio.

Eric Melo afirma que o documento reforça também a tese defendida pelo estado de que a Serra da Ibiapaba "nunca foi integralmente do Ceará", como alega o estado vizinho.

O Piauí sempre teve tanto direito quanto o Ceará. Esse e outros documentos mostram justamente a presença e posse do Piauí nessas áreas.
Eric Melo

O Piauí argumenta que o decreto de 1880 estabelece como limite dos estados a "Serra Grande ou da Ibiapaba, sem outra interrupção além da [linha] do rio Puty [hoje chamado de Poti]".

O texto diz que o Piauí ficaria com "todas as vertentes ocidentais da serra", e o Ceará, com as orientais, segundo o geógrafo. O problema é que o Ceará ficou com terras ocidentais (a oeste) da serra, afirma o servidor do Piauí.

Mapa da área em litígio
Mapa da área em litígio Imagem: Arte UOL
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Segundo Eric Melo, a ocupação cearense na Villa Viçosa Real ocorreu, oficialmente, em 1720, após um alvará concedido do Conselho Ultramarino, órgão criado no ano de 1642 por D. João IV com atribuições em áreas financeiras e administrativas das colônias.

Essa concessão se deu [aos cearenses] a pedido dos padres jesuítas, e o rei da época atendeu. Mas em meados do século 18, os jesuítas foram expulsos e seus bens recolhidos à Coroa Portuguesa. Além dos bens, as posses que haviam sido doadas anteriormente, como Viçosa.
Eric Melo

Histórico da disputa, na versão piauiense

Eric explica que, em 1823, cearenses ocuparam o litoral do Piauí e, mesmo após diversas reclamações, o governo do Ceará aprovou uma lei criando um município cearense dentro do território piauiense, em 1865.

Essa invasão e as crises hídricas do Ceará motivaram, em 1880, o imperador Dom Pedro II a criar um decreto onde determinava a devolução das terras invadidas no litoral ao Piauí e doava para o Ceará a região de Crateús, pois ali existem importantes nascentes que auxiliariam no combate as secas.
Eric Melo

Ele afirma que o Piauí cumpriu sua obrigação, mas o Ceará não, e daí nasceu o litígio.

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A população do Piauí que ali estava no Crateús tornou-se cearense. O Ceará devolveu o município no litoral ao Piauí, mas não cumpriu integralmente o decreto, que enfatiza que a divisa estadual se dá pelo divisor de águas, o relevo a partir do seu ponto mais alto [Serra da Ibiapaba]. O Ceará, que já estava além do divisor de águas, não aceitou recuar.
Eric Melo

Ceará questiona

O governo cearense questiona a interpretação do decreto imperial de 1880 e os argumentos usados pelo Piauí. A PGE cearense já apresentou sua defesa ao STF, como mostrou a coluna.

Para o Ceará, mapas e documentos históricos apontaram que a divisa "corresponde às raízes (lado ocidental) da serra da Ibiapaba, ficando esta serra integralmente para o Ceará".

Além disso, defende que a demarcação deve considerar "o sentimento de pertencimento, a identidade histórica e cultural da população ali residente".

É importante destacar que o artigo 1º deste decreto pode ter aparentemente mais de uma interpretação quanto à linha divisória. Desse modo, indaga-se qual seria a interpretação autêntica do decreto, ou seja, qual foi o pensamento do legislador (Câmara e Senado) quando da elaboração do Decreto Imperial nº 3.012 do ano de 1880?
Nota técnica do Ceará

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BR-222 na Serra da Ibiapaba, que seria a divisa entre Ceará e Piauí
BR-222 na Serra da Ibiapaba, que seria a divisa entre Ceará e Piauí Imagem: ICMBio/Divulgação

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