Carlos Madeiro

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Opinião

Lula derrapa na mesma rampa que subiu ao dizer que faltam negros e mulheres

As palavras do presidente Lula na entrevista de hoje ao UOL sobre a distribuição de renda, gastos sociais e luta pela diversidade encantam até serpentes, como diria Ciro Gomes. É no escorrego da mesma rampa que subiu, em 1º de janeiro de 2023, que a verdade que Lula pinta é atropelada pela realidade.

Nada pode ser mais incômodo do que ouvir de um presidente que foi retirante de que "é difícil encontrar um mulher ou uma negro" para altos cargos políticos, porque a "oferta é menor já que eles não tiveram uma participação política histórica."

Esse é um absurdo que temos de combater. Negros e mulheres tiveram participação política social super ativas no país; não tiveram foi visibilidade e acesso a cargos do poder. E claro, tudo passa também pela forma como o lado "vencedor" conta a história.

As mesmas universidades que Lula e o PT tanto propagandeia formam milhares de pessoas capazes. Ela(e)s estão prontos, aguardando o chamado. Aí sim, começa o problema.

Exemplo: Ana Moser, então ministra dos Esportes, tinha grande apoio da classe e um prestígio popular que emprestava um nome positivo ao governo. Foi sacada para dar vez a um homem branco político do Centrão. Houve apelos, indicações.... O que não houve foi ressonância na "casa grande".

No STF, na saída de Rosa Weber, choveram nomes de mulheres negras e competentes para assumir a cadeira, e lá foi Lula —deixando claro ser uma indicação pessoal — colocar um homem branco, ferindo ainda mais a pluralidade já amassada. São 10 homens e uma mulher só.

Lula e Zanin na posse do ministro no STF
Lula e Zanin na posse do ministro no STF Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lula nomeou negros e mulheres, como a ministra Anielle Franco e o ministro Silvio Almeida, mas muitos outros foram para cargos menores. Isso foi feito a vida inteira na sociedade, e é pouco. É na 'periferia' que eles sempre viveram e é de lá que eles querem sair.

Não desmerecendo ele ter indicado Dilma como sucessora, em um momento em que homens brigavam pela indicação; mas justificar a dificuldade e3 nomear mulheres e negros só perpetua um discurso de que "eles não estão prontos e não têm representatividade." Ora, isso é uma mentira deslavada.

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E nesse meio, deve ser incluído também o público LGBTQIAPN+. Precisamos de pessoas trans em cargos de poder e destaque político. Falta no governo, mas falta até se falar sobre isso! Lula, no papel de homem branco presidente, tem de entender que ele é o indutor. Não cabe mais culpar o passado.

O Brasil mudou de 2010 para cá, Lula. Apesar do avanço do ultraconservadorismo no país e no mundo, a nova geração que hoje vai ao mercado não faz mais diferenciações como se fazia há 15 anos.

Não precisa ter mais medo de enfrentar o debate, de sentar à mesa com políticos e dizer: só aceito indicações de mulheres, de negros, de trans. Não se inclui sem incluir, ora!

O lugar de privilégio é injusto: largar à frente em uma disputa igual é uma sacanagem. Eu chego a um edifício e o porteiro abre muitas vezes a porta sem me perguntar quem sou, mas barra um negro. Não se acaba com o racismo e o machismo sem um entendimento da "maioria" branca masculina.

"Quero mais mulher no governo, mais negros no governo", mas a caneta dele não quer.

Mas não é só. A distribuição de renda que ele repete não avança como deveria. O Brasil é um país formatado para distribuir riqueza entre ricos e pobreza entre os pobres. Se der, cria mais miseráveis para rico ter a quem fazer caridade e ter mão-de-obra barata. Aqui, sempre foi assim! A manutenção da estrutura está entranhada nos três poderes.

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Lula erra, também, ao dizer que a riqueza "só pode ser distribuída se crescer o PIB." Distribuir riqueza é reduzir concentração, passa pelo bolo já feito.

A desigualdade tem de cair, sem ou com aumento do PIB. Nada mais Delfim Neto que essas palavras de Lula.

Fazer universidades é maravilhoso, digo como cidadão que precisou mudar de cidade para estudar jornalismo. Mas e a educação básica? E o ensino médio? Fala em como a educação é investimento, mas não faz na prática uma revolução — coisa que só o governo federal pode capitanear.

Enfim, o Brasil tem um pé fincado no atraso. O último país que aboliu a escravidão pelas bandas de cá é o mesmo país que faz política para manutenção a pobreza como modo de vida, para servir a quem tem mais.

Lula fala, mas o Brasil real se impõe e atropela discursos bonitos. Nunca vamos mudar assim.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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