Homens são 98% dos presos pelo crime de aborto no Brasil; entenda
O Brasil tinha 633 pessoas presas ao final de 2023 pelo crime de aborto. Desse total, mais de 98% eram homens, que pela legislação podem ser condenados ao forçarem o procedimento contra a vontade das mulheres.
Os dados foram colhidos pela coluna na Secretaria Nacional de Políticas Penais, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O número de presos por esse tipo de crime cresce há cinco anos seguidos e, em 2023, atingiu o maior número pelo menos desde 2017 —desde quando os dados com tipificação estão disponibilizados.
Quem é denunciado por aborto, seja qual foi a modalidade, vai a júri popular.
Por que homens?
Para entender o porquê de homens estarem sendo presos é, primeiro, preciso saber que o aborto ilegal hoje tem pena de um a três anos para as grávidas que o realizam. Isso faz com que condenações não gerem prisão por conta da necessidade de transação penal.
Segundo Marcelo Balzer Correia, promotor do tribunal do júri de Curitiba, desde 2019, com a Lei 13.964/2019 (conhecido como pacote anticrime), o Código de Processo Penal passou a prever a possibilidade de um acordo de não persecução penal —que se trata de uma negociação pré-processual entre o MP (Ministério Público) e o investigado.
A possibilidade foi dada nos casos em que a infração penal ocorre sem violência ou grave ameaça e quando o crime tem uma pena mínima inferior a quatro anos.
Agora existe a possibilidade de a mulher, ao confessar o aborto, não ser processada. Ela pode fazer esse acordo de não persecução penal em que aceita cumprir condições menos custosas do que a sanção penal.
Marcelo Balzer Correia, promotor do tribunal do júri de Curitiba
A persecução penal, porém, só vale para casos que não sejam reincidência.
No caso de uma pessoa ou profissional, como uma parteira, que auxilie essa gestante a fazer o aborto, a pena é de um a quatro anos, o que também não gera cadeia.
Quem pode ser preso
A prisão em regime fechado só pode ocorrer quando o crime praticado por terceiros, ou seja, quando alguém força uma mulher grávida a fazer o aborto sem consentimento.
Nesses casos, se condenada, a pessoa pega uma pena que varia de três a dez anos. A pena ainda pode ser ampliada em um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofrer lesão grave; e são duplicadas se causar morte.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberPara esses casos, não existe acordo de persecução penal. Via de regra, pelo que vemos nos casos aqui, quem faz isso é o namorado, o cônjuge, o pai da grávida; por isso que tem mais homens presos.
Marcelo Balzer Correia
Ele diz que, ao longo da atuação no tribunal do júri, o método mais comum que viu de aborto forçado foi o uso de um medicamento que induz o parto.
Eles adquirem muito essa droga aqui vinda do Paraguai. Nesses casos, a mulher toma, passa mal, não consegue expelir o feto, e aí tem de ir a um hospital. Com a assistência, ela aponta quem deu o remédio a ela e vamos investigar.
Marcelo Balzer Correia
Diferença de infanticídio
O promotor explica que há diferença na tipificação penal quando o feto nasce com vida, e a mãe ou alguém acaba o matando. Nesses casos, o crime não é mais aborto, mas sim infanticídio, com pena prevista de dois a seis anos de prisão.
Se o mesmo crime for praticado por uma outra pessoa, que não a mãe, o crime muda e passa a ser homicídio, com pena de seis a 20 anos. "A única que pode responder é a mãe, não se aplica a terceiro", ressalta Marcelo.
No caso de infanticídio, não há dados de mulheres presas no país.
12 estados não têm presos
Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, o Paraná é o estado com maior número de presos do país por aborto: 270. Curiosamente, 12 estados não tinham, ao final de 2023, nenhum preso por aborto.
O promotor atribui a grande quantidade de pessoas condenadas no Paraná à ampla rede de proteção às grávidas no estado, com atuação conjunta de conselhos tutelares e Regional de Medicina (CRM).
Ao tomarem conhecimento da existência ou suspeita do crime de aborto, imediatamente essa rede comunica às autoridades responsáveis para apuração do caso. Esta é a única justificativa para o número indicado no relatório.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.