Urânio em altos índices é achado em água de poços e intriga moradores no CE
A água de poços que abastecem o distrito de Trapiá, em Santa Quitéria (CE), está contaminada com altos índices de urânio. O dado é da Sesa (Secretaria de Saúde do Ceará), que analisou 15 amostras de água e viu que em 14 delas havia material acima do permitido pelo Ministério da Saúde.
Segundo a Sesa, os laudos apontam concentração de urânio até sete vezes acima do valor de referência —de 0,03 mg por litro. Não foi informado o número exato da contaminação por poço.
Os poços que abastecem o distrito, onde vivem cerca de 4.000 pessoas, foram imediatamente interditados, e o abastecimento do local está sendo feito com água de um açude próximo por meio de 15 carros-pipa diários.
A Sesa informou que, assim que soube da contaminação, acionou Ministério da Saúde e órgãos estaduais para tomar medidas emergenciais (veja mais abaixo).
O caso chama a atenção porque ocorre no mesmo município onde está a maior jazida de urânio do país: a fazenda Itatiaia, onde há reservas estimadas em 80 mil toneladas e um consórcio avança com as licenças para começar a mineração.
Entretanto, a contaminação ocorreu em um distrito que fica a 70 km de distância de lá. Não há explicação, até o momento, para o que causou o fenômeno.
Audiência pública
Os resultados da análise foram informados à população na segunda-feira (14) durante audiência pública. A contaminação assustou a população que mora no distrito e usa há muitos anos água retirada de poços.
Francisco Antônio Gomes de Souza, 38, conselheiro tutelar do município, explica que essa água, antes de ser entregue à população, passava por um processo de dessalinização. "Só que isso não tira o urânio", diz.
Todas as famílias foram pegas de surpresa, ninguém percebeu nada de diferente na água. Eles chegaram e fecharam os poços no fim do mês sem dar muitos detalhes, até que teve a audiência. Todos ficamos preocupados porque ninguém sabe se foi uma contaminação recente. Temos poços aqui de 1996.
Francisco Antônio
A Sesa informou que já solicitou apoio ao Ministério da Saúde para investigação epidemiológica. A pasta também está fazendo um plano de amostragem para analisar a qualidade da água de todo o município. O resultado deve sair até o fim de novembro.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que está acompanhando de perto a situação, e já realizou reunião com gestores e técnicos da Sesa e do Instituto de Radioproteção e Dosimetria da Comissão Nacional de Energia Nuclear para avaliar possíveis riscos à população.
"Os especialistas do IRD/Cnen esclareceram que nesse primeiro momento os resultados não são alarmantes, pois não se trata de toxidade radiológica", diz.
Segundo a presidente da Associação dos Moradores de Trapiá, Julia Pinto, moradores do distrito foram avisados que vão passar por exames. "Estamos esperando a Secretaria, mas foi falado na audiência que vamos ter coleta de sangue e urina", diz.
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Quero receberA coluna tentou falar com o secretário de Saúde de Santa Quitéria, Igor Vale, mas as mensagens não foram respondidas.
A Sesa, porém, adianta que "de acordo com a série histórica registrada pela Sesa para a localidade, até o momento não foram identificadas condições clínicas e epidemiológicas de doenças sob suspeita de estarem relacionadas ao metal no distrito."
"As funções renais são mais predispostas a sofrerem efeitos do urânio", diz a nota.
Júlia diz que a comunidade está preocupada, mas ao mesmo tempo confiante que essa contaminação não é algo antigo. "Isso nunca tinha acontecido, então a gente está aqui acreditando que esse resultado foi de agora há pouco tempo. Agora, como veio parar aqui, ninguém sabe", diz.
A descoberta gerou preocupação não só no distrito, mas em toda a cidade, já que há um histórico receio popular da exploração de urânio no município. O Movimento pela Soberania Popular na Mineração, que luta contra a instalação de extração de urânio, divulgou nota demonstrando "enorme preocupação" com a água contaminada e cobrou mais explicações.
"A gente está falando dos dois extremos do município, e isso gerou aquele ponto de interrogação nas pessoas, com as autoridades sem saber o que dizer. Virou o assunto da cidade, e a população está intrigada, mas sem pânico", diz Thiago Rodrigues, jornalista do portal A Voz de Santa Quitéria.
Dados revisados e próximos passos
O governo cearense afirma que as amostras foram avaliadas pelo Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública) do Ceará e depois foram encaminhadas ao Instituto Evandro Chagas (ligado à Fiocruz) para revisão e confirmação.
Agora, novos testes serão feitos para aprofundar a extensão da contaminação. "Nesta primeira fase, é realizado o mapeamento, com cartografia, dos pontos em que será realizada a coleta. As novas amostras devem ser reunidas no início de novembro", diz em nota.
O governo do estado informou que, desde 28 de setembro, tomou as seguintes ações:
- Interdição imediata dos pontos de coleta das amostras em que foi identificado urânio;
- Elaboração de Plano de Contingência;
- Criação de um Comitê Emergencial para Gerenciamento de Riscos e Contenção de Danos;
- Orientação e acompanhamento multidisciplinar da população local, com visita de técnicos de saúde e de abastecimento;
- Realização de audiência pública;
- Abastecimento do distrito com 15 carros-pipa diários.
Rocha radioativa pode ser explicação
Segundo Zulene Almada Teixeira, geóloga e gerente de estudos e projetos da Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos) do Ceará, a maioria dos elementos químicos possuem isótopos instáveis, ou seja, radioativos. Dessa forma, a característica química das águas depende da rocha nas quais estão armazenadas, além do tempo em estão lá.
Se uma rocha é composta por vários minerais juntos, é natural que a água tenha alguma concentração desses elementos constituintes, inclusive devido ao tempo de residência na rocha. Isso ocorre de forma natural, e ocorre não só com o urânio, mas com qualquer elemento químico.
Zulene Almada
Na próxima semana, uma equipe da Cogerh vai ao distrito levantar dados e, posteriormente, coletar amostras de água dos poços. Em seguida, as amostras serão enviadas para novas análises.
Outro ponto é que haverá um estudo na parte geológica, que vai verificar se as rochas da região têm presença de colofanito (mineral de sulfato de urânio) para explicar essa anomalia.
Vamos fazer visita em afloramentos para ter uma ideia melhor da realidade na área. Pode ser apenas um caso isolado, não tem como afirmar ainda se vai ter uma maior extensão, em um contexto de um corpo mais expressivo. A preocupação do estado é fazer esse levantamento para que as pessoas se sintam seguras.
Zulene Almada
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