Desembargadora ataca cotas em julgamento: 'Infelizmente tem de cumprir lei'
A desembargadora Rosita Falcão Maia, do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia), criticou o sistema de cotas raciais do país e afirmou que ele veio "mais dividir, do que unir a população." Ainda em seu voto, lamentou e disse que "infelizmente a gente tem de cumprir a lei."
A fala feita durante o julgamento de um mandado de segurança, nesta quarta-feira (27), gerou repúdio de entidades, que viram na fala um posicionamento discriminatório.
Rosita, que é uma mulher branca, comentou sobre o sistema criado em 2012 inicialmente para universidades federais durante a análise do recurso de uma candidata que prestou concurso inscrita na ampla concorrência, mas depois solicitou mudança para a categoria de cotas —ela alegou que houve uma retificação no edital do concurso pelo.
Eu acho que a meritocracia nas universidades, nos cursos públicos é importantíssima, seja lá qual cor seja o candidato. É importantíssimo que tenhamos pessoas competentes no serviço público, nas universidades, na faculdade de medicina, no direito. E isso não está ocorrendo nas universidades públicas.
Rosita Falcão Maia
Ela justificou essas críticas porque professores do curso de direito da UFBA estariam reclamando da "qualidade" dos estudantes da instituição.
Na minha época existiam duas faculdades somente, a Federal e a Católica; e a Federal de Direito era excelente. Hoje em dia já não é tanto, porque todos os professores comentam o desnível, a falta de qualidade do estudante, do estudante que lá está, porque o nível baixou.
Rosita Falcão Maia
Fala contrário aos dados
As afirmações da desembargadora não têm embasamento científico, segundo pesquisas já feitas sobre o tema.
Pelo menos dois estudos mostram que, ao contrário, os cotistas têm melhor desempenho e terminam mais os cursos de graduação que os não cotistas.
Em outubro, o Censo Escolar 2023 revelou que os estudantes que acessaram a educação superior federal por meio de cotas tiveram uma taxa de conclusão 10% maior que a de não cotistas em uma década (2014 - 2023): 51% dos cotistas, e 41% dos não cotistas.
Já outro estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), assinado pelos pesquisadores Alexandre Nogueira Mugnaini Junior e Marina Silva da Cunha em 2022, mostra que o desempenho acadêmico deles é melhor que o dos demais.
Na estimativa para todos os estudantes, os resultados foram significativos - eles evidenciam que, no longo prazo, o desempenho dos estudantes cotistas é melhor do que o dos não cotistas, mesmo se seus pais não têm o ensino superior. Assim, alunos que ingressaram com cotas, comparados aos seus pares, mostraram desempenho melhor, principalmente se são os primeiros da família a ingressar no ensino superior.
Estudo do Ipea
Entidades repudiam
A fala da desembargadora foi repudiada em nota pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) na Bahia: "manifestações que afrontam direitos fundamentais não podem ser confundidas com liberdade de expressão, ainda mais quando emanadas por uma representante do Poder Judiciário."
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Quero receberA nota ainda lembra que "racismo é crime com especial tutela constitucional, imprescritível e inafiançável."
Discursos discriminatórios contra as cotas raciais, que são medidas de reparação constitucionalmente asseguradas para efetivar a igualdade material, não são fatos recentes. Posicionamentos retrógrados sobre essa matéria reforçam a necessidade de se memorar a Consciência Negra, que esse ano foi celebrada pela primeira vez como feriado nacional.
OAB-BA
O Sindicato dos Servidores dos Serviços Auxiliares do Poder Judiciário do Estado da Bahia também publicou nota de repúdio à fala da desembargadora.
O sistema de cotas é uma ação de reparação histórica, a fim de corrigir a injustiça aplicada sobre pessoas negras. Que ainda hoje sofre com o racismo que é um discurso de poder que justifica o privilégio branco, alinhado ao discurso da meritocracia.
Sindicato
Procurada por meio da assessoria de imprensa do TJ-BA, a desembargadora não respondeu até o momento. O espaço segue aberto.
As cotas
Ao longo de 12 anos, as cotas raciais revolucionaram a entrada de negros e indígenas em universidades brasileiras.
Levantamento do Consórcio de Acompanhamento de Ações Afirmativas, formado por pesquisadores de diferentes universidades, indica que em 2012 estudantes pretos, pardos e indígenas (PPI) correspondiam a 43,7% dos universitários de 18 a 24 anos. Em 2021, essa fatia saltou 20%, para 52,4% - a proporção de PPI no Brasil é de cerca de 57%, segundo dados do IBGE.
No último dia 13, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que atualiza a política de cotas nas instituições federais de ensino. Entre as mudanças estão a redução da renda familiar exigida para reserva de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas.
A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 19, projeto de lei que reserva 30% de vagas para pessoas negras, quilombolas e indígenas em concursos públicos, processos seletivos simplificados, empregos públicos e cadastros de reserva. A proposição é de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS).
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