Com ácido e agrotóxico, rio Tocantins vive ameaça de dano ambiental extremo
A queda de caminhões que transportavam 22 mil litros de agrotóxicos e 76 toneladas de ácido sulfúrico nas águas do rio Tocantins colocam em risco a vida aquática e comunidades ribeirinhas. Ainda não se sabe o tamanho do estrago, mas a ameaça é de dano ambiental extremo.
Os veículos atingiram o rio no colapso da ponte Juscelino Kubitschek, no último domingo (22) —há divergências no número de caminhões: o Ibama fala em dois, a ANA (Agência Nacional das Águas), em três, e a Defesa Civil de Estreito (MA), em quatro.
"É um material extremamente danoso à maioria das espécies aquáticas. É muito possível ter mortalidades em massa no rio", diz a doutora em bioquímica e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Rachel Ann Hauser-Davis.
Segundo o secretaria maranhense, as "substâncias químicas já [foram] confirmadas no local." Entretanto, não há detalhes se as cargas vazaram completamente ou não.
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-- SEMA (@maranhaosema) December 23, 2024
Nesta segunda-feira, a Defesa Civil de Estreito (MA) informou que coletas de água foram feitas e que o resultado deve sair ainda nesta terça-feira (24). Até lá, mergulhadores não têm entrado na água para dar início à inspeção e resgate de corpos e veículos. A ANA acionou a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) para analisar as amostras coletadas.
Segundo a ANA, 19 municípios correm risco de serem impactados, 10 em Tocantins (Aguiarnópolis, Carrasco Bonito, Esperantina, Itaguatins, Maurilândia do Tocantins, Praia Norte, Sampaio, São Miguel do Tocantins, São Sebastião do Tocantins e Tocantinópolis) e 9 no Maranhão (Campestre do Maranhão, Cidelândia, Estreito, Governador Edison Lobão, Imperatriz, Porto Franco, Ribamar Fiquene, São Pedro da Água Branca e Vila Nova dos Martírios).
Por precaução, os sistemas de abastecimento das cidades que recebem água do rio estão suspensos até que se avalie as condições.
Ainda é cedo para medir impacto
Segundo a pesquisadora Rachel, como o acidente ocorreu há menos de 48 horas, ainda é cedo para saber ou mesmo se observar os impactos do derramamento.
"No começo, os principais efeitos detectáveis seriam as mudanças químicas e físicas da água, que são mais rápidas. Os impactos ecológicos seriam mais para a frente, com alguns animais mais sensíveis sendo afetados primeiro", diz.
Ela explica que o rio tem uma extensão de 2.450 km e uma vazão média de aproximadamente 11.000 m³/s —mas varia ao longo do seu curso. É o segundo mais extenso em território 100% brasileiro, atrás apenas do rio São Francisco, com 2.800 km, segundo dados da ANA.
Pode ser pouco [o derramamento] a longo prazo, que deve ser diluído rapidamente. Porém, nas áreas mais próximas, o pH pode cair drasticamente, afetando a fauna e a flora aquáticas. São efeitos extremamente danosos.
Rachel Ann Hauser-Davis
Um outro impacto possível seria de metais pesados no fundo do rio. Com o tempo, eles podem se soltar e ficar disponíveis a espécies, o que levaria a um risco de contaminação de peixes pescados, por exemplo.
Dependendo do metal, pode acontecer até o processo de biomagnificação, que é quando o metal aumenta ao longo da cadeia. Isso ocorreria em baixa quantidade em pequenas presas, mas seria maior em predadores, fazendo chegar até aos seres humanos.
Rachel Ann Hauser-Davis
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Quero receberRachel ainda alerta que, a princípio, o que mais a preocupa são os pesticidas que "podem causar danos mais severos do que o ácido a longo prazo".
"Eles se incorporam mais rapidamente em organismos expostos e têm um impacto muito mais severo e persistente no ambiente e na saúde dos organismos ao longo do tempo", relata.
Segundo a pesquisadora, se a carga não vazou, há outros efeitos também negativos possíveis.
Por exemplo: sendo um composto volátil, mesmo que não muito, pessoas e animais podem sofrer os efeitos tóxicos de respirar o ácido. Ele pode também formar partículas de sulfato que contribuem para a poluição do ar e chuva ácida, o que pode contaminar o solo e a vegetação.
Rachel Ann Hauser-Davis
Ela diz que até seria possível instalar barreiras e sistemas de contenção, mas o tamanho do rio Tocantins torna a tarefa inviável.
Agora, recomendo o básico, como em qualquer acidente: monitoramento constante, avaliando o pH, a concentração de metais e sulfatos, e outros parâmetros físico-químicos da água ao longo do tempo, comparação com monitoramentos anteriores, se disponíveis. Avaliar também a mortalidades de peixes, plantas e outros organismos em massa, se houver, para verificar possíveis efeitos.
Comunidades já temem contaminação
Segundo Evandro Rodrigues, agente da CPT (Comissão Pastoral da Terra) no Tocantins, existe uma grande preocupação com comunidades ribeirinhas que vivem à margem do rio e próximo ao local da tragédia.
"A gente está dialogando para tentar criar alternativas emergenciais para essa questão do possível envenenamento dos rios", diz.
Ali existem comunidades tradicionais que já vivem uma situação de vulnerabilidade e que dependem única e exclusivamente do rio, tanto para subsistência, como também para se alimentar, no caso dos pescadores. A gente não tem dimensão real do impacto, mas sabe que isso traz grandes riscos.
Evandro Rodrigues
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