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Carolina Brígido

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As instituições brasileiras vão conter movimentos golpistas?

Bloqueios nas rodovias federais em protesto pela derrota de Jair Bolsonaro nas urnas - Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil
Bloqueios nas rodovias federais em protesto pela derrota de Jair Bolsonaro nas urnas Imagem: Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

Colunista do UOL

04/11/2022 04h00

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Terminada a eleição, chegou a hora de espernear. Era previsível que movimentos antidemocráticos tomassem conta das ruas com a derrota de Jair Bolsonaro. O próprio presidente encorajou esses atos, com reiterados ataques ao sistema eleitoral e ao Judiciário ao longo dos quatro anos de mandato. E a pergunta paira no ar: vai ter golpe?

As instituições brasileiras estavam todas esperando manifestações contra o resultado das eleições em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. O bloqueio nas estradas por caminhoneiros e os atos nas ruas são a versão tupiniquim da invasão do Capitólio quando Donald Trump foi derrotado. Ao menos até agora. Até a posse de Lula, pode ser que extremistas tentem repetir o feito dos trumpistas na Esplanada e na Praça dos Três Poderes.

Até aqui, mais do que instituições, autoridades específicas conseguiram conter esses movimentos. Destaque para o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, que também é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

No dia seguinte à eleição, Moraes ordenou a liberação das rodovias. O descumprimento acarretaria em multa e prisão do diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Silvinei Vasques. O plenário do STF confirmou a decisão.

Em paralelo, o TSE monitora grupos extremistas que possam ameaçar a paz até o dia da posse. Também no dia seguinte à eleição, a corte eleitoral bloqueou 27 grupos do Telegram, um em cada unidade da federação, que defendiam o golpe militar e incentivavam seus 153.273 seguidores a organizar manifestações em prol da intervenção.

Do andar mais alto do prédio da PGR (Procuradoria-Geral da República), em Brasília, o chefe da instituição, Augusto Aras, assiste a tudo. Disse a interlocutores que o Ministério Público também monitora extremistas e anunciou que vai apurar a conduta de Silvinei Vasques durante as eleições. A suspeita é de desvio de finalidade na gestão da PRF.

Para setores do Ministério Público, Aras não está fazendo o suficiente. Na terça-feira (1º), um assessor do procurador-geral enviou aos procuradores chefes a decisão de Moraes, com orientação para que adotassem as medidas necessárias ao integral cumprimento de decisão do STF.

Em caráter reservado, um procurador contou que Aras reuniu os procuradores-chefes, depois da cobrança pública feita por colegas, e anunciou que a estrutura da PGR estava à disposição deles. "Coordenação passiva", resumiu o procurador, que se queixou de o próprio Aras não ter se reunido com o Ministério da Justiça, com órgãos de segurança pública, ou com governadores para tratar do caso das rodovias.

Ontem, Aras declarou que os bloqueios nas estradas contra a vitória de Lula eram "rescaldo indesejável, porém compreensível". Moraes estava um tom acima: "Aqueles que criminosamente não estão aceitando, que estão praticando atos antidemocráticos, serão tratados como criminosos e as responsabilidades serão apuradas".

Outra frente surpreendeu na contenção dos protestos bolsonaristas: as torcidas organizadas de time de futebol. Para garantir que as partidas ocorressem, desbloquearam vias aos gritos de "democracia".

É parte do jogo republicano o conflito entre do Poderes. No governo Bolsonaro, não faltaram atritos entre ele e os tribunais de Brasília. Diante de todas as crises entre o Executivo e o Judiciário, autoridades sempre vieram a público para dizer que não era nada, que as instituições estavam funcionando.

Sim, estão funcionando. Importa saber como e o quanto estão funcionando. E se darão conta de debelar a contento os movimentos golpistas durante a transição do governo, culminando na posse de Lula.

Até aqui, tudo o que as instituições precisam fazer é debelar atos pontuais, que não chegam a ser ameaça de golpe. Seria preocupante se autoridades estivessem endossando as manifestações. Não se vê por aí generais elogiando os bloqueios nas estradas. Até mesmo Bolsonaro já aceitou o resultado das eleições, ao autorizar a transição.

Daqui para o dia 1º de janeiro, o cenário pode mudar. Mais do que depender das autoridades que as comandam, as instituições precisam funcionar por si só na vigilância constante da democracia. Em fevereiro de 2019, em discurso no Congresso Nacional, um mês depois de Bolsonaro ter tomado posse, Dias Toffoli, que era presidente do STF, alertava, em tom de profecia: "As pessoas passam, as instituições ficam".