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Carolina Brígido

REPORTAGEM

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Presidente do TJ-SP vê indício de abuso por juiz de ação bilionária

24.out.2014 - O atual desembargador do TT-SP José Carlos Costa Netto  - Bruno Poletti/Folhapress
24.out.2014 - O atual desembargador do TT-SP José Carlos Costa Netto Imagem: Bruno Poletti/Folhapress

Colunista do UOL

30/05/2023 04h00Atualizada em 30/05/2023 12h20

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O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ricardo Anafe, afirmou que há indício de "exercício abusivo do dever-poder de julgar" por parte do desembargador José Carlos Costa Netto na condução de um processo bilionário em torno do controle da empresa Eldorado Brasil Celulose. A J&F vendeu a empresa para a Paper Excellence em 2017, mas a transação não foi concluída. A disputa, estimada em R$ 15 bilhões, aguarda definição da Justiça.

Em 17 de maio, Anafe deu prazo de 15 dias para Costa Netto apresentar defesa prévia. Em seguida, o presidente do tribunal vai elaborar um voto e encaminhar ao órgão especial do TJ, formado por 25 desembargadores. O colegiado vai decidir se abre processo administrativo contra o desembargador. Segundo fontes do tribunal, a tendência é que o procedimento seja instaurado.

A coluna questionou a assessoria de imprensa do TJ-SP se Costa Netto gostaria de se manifestar sobre o caso. "Os magistrados não comentam questões atreladas a processos jurisdicionais", afirmou o órgão.

"Vislumbra-se uma série de decisões juridicamente não justificáveis (não adotam um entendimento possível, seja ele majoritário ou minoritário, dentre aqueles que podem ser extraídos da interpretação da norma e de sua conjugação com os fatos relevantes do caso), manifestamente imprudentes e geradoras de graves consequências (interferência em negócio jurídico bilionário), podendo configurar exercício abusivo do dever-poder de julgar", escreveu Anafe em documento sigiloso obtido com exclusividade pela coluna.

Ainda de acordo com a Anafe, Costa Netto agiu "em aparente contradição aos ditames da prudência". O desembargador teria violado artigos da Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e do Código de Ética da Magistratura. Isso porque, há cerca de um ano, Costa Netto mantém suspensos, por liminar, os processos em primeiro e segundo grau envolvendo a causa, "com fundamentos genéricos e não examinados em relação ao caso concreto".

Segundo o regimento interno do TJ-SP, o prazo para um processo ficar suspenso em caso de conflito de competência, como é chamado o recurso em jogo, é de no máximo 90 dias.

O documento também afirma que Costa Netto "interfere em processos de primeiro grau de jurisdição e procedimentos arbitrais com aparente extravasamento de competência". E que "inviabiliza a apreciação da suspensão dos processos", porque não inclui o caso na pauta, "com adiamentos aparentemente desnecessários, o julgamento dessa importante questão, com graves consequências (reflexos em negócio jurídico bilionário)".

O presidente do tribunal ainda afirmou que o colega "apresenta aparente contradição com o padrão de decisões adotadas em casos análogos". E que "aparentemente adota prazos desiguais de análise das petições das partes".

Também de acordo com Anafe, há "indícios da prática de irregularidades pelo desembargador José Carlos Costa Netto". O presidente do TJ elencou trechos da legislação que o colega teria infringido:

cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;

determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;

o exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro;

cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual;

o magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável;

especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar;

ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções do Código de Ética da Magistratura Nacional.

O caso teve início quando os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F Investimentos, venderam a Eldorado Celulose para a Paper Excellence em 2017 por R$ 15 bilhões. A multinacional assinou um contrato para adquirir 100% das ações da Eldorado, pagando R$ 3,8 bilhões por 49,41% das ações da empresa brasileira de celulose.

A Paper pagaria pelo restante das ações após a liberação das garantias das dívidas, o que deveria ocorrer dentro de um ano, conforme o contrato assinado entre as partes. No meio do caminho, as duas empresas se desentenderam sobre os termos do acordo e levaram a disputa para a Justiça.

O que diz a J&F

Após a publicação desta reportagem, na terça-feira (30), a J&F encaminhou nota à coluna dizendo que os advogados da empresa "repudiam os ataques a decisões fundamentadas na lei e no regimento interno do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo".

A empresa afirma que as decisões foram tomadas por um "desembargador sorteado por livre distribuição para julgar um conflito de competência gerado por uma ação da Paper Excellence" e que os processos permanecem suspensos enquanto o conflito "persistir".

"Vale dizer que todas as decisões proferidas pelo desembargador Costa Netto no âmbito do referido conflito de competência foram confirmadas pelo Grupo Especial, órgão colegiado do Tribunal de Justiça, ou pelo próprio órgão especial [Grupo Especial da Seção de Direito Privado do TJSP], em mandados de segurança impropriamente impetrados pela Paper Excellence", diz o texto.