Carolina Brígido

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Opinião

Decisão do TSE sobre cota de gênero pune eleitas que não sabiam da fraude

A norma que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou ontem (16) para tentar coibir fraudes à cota de gênero traz consigo uma notícia boa e uma notícia ruim. Listar parâmetros objetivos para identificar o ilícito é sem dúvida um avanço. Tribunais de todo o país adotavam entendimentos díspares sobre o assunto. Por isso, casos semelhantes acabavam sendo tratados de forma diferente. E o pior: com fraudadores impunes.

Entretanto, o texto aprovado em plenário desagradou parte dos especialistas em direito eleitoral e militantes da participação feminina na política. A súmula ignorou uma situação específica: mulheres eleitas a partir de situações fraudulentas, mas que não tiveram responsabilidade alguma no ilícito.

Em um artigo ainda inédito, a advogada Marilda Silveira informa que ao menos oito vereadoras e duas deputadas federais foram cassadas em razão do recálculo das eleições determinado por fraudes apuradas. O TSE tem entendido que a fraude leva à cassação de todos os candidatos eleitos, inclusive mulheres, mesmo quando não ficou comprovado o envolvimento delas no ilícito.

"A cassação das mulheres eleitas sem responsabilidade pela fraude é desproporcional e contraria o objetivo da política de cotas. Isso desestimularia ainda mais a participação das mulheres na vida pública. Essa posição acaba por prejudicar a finalidade da própria ação afirmativa de aumentar a presença feminina nos espaços de poder", escreve Marilda Silveira, que é professora de direito administrativo e eleitoral do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral do TSE e coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil.

No artigo, a advogada sugere que seja excluída do entendimento do TSE a possibilidade de cassação de mulheres eleitas que não tenham comprovadamente colaborado para a fraude, com a preservação dos seus mandatos. "Essa interpretação estaria alinhada com precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade para evitar que medidas adotadas com uma finalidade acabem por gerar efeitos contrários aos pretendidos", pondera.

No ano passado, a coluna revelou que 40% dos partidos políticos brasileiros descumpriram a regra que determina o uso de pelo menos 30% do Fundo Eleitoral para financiar candidaturas de mulheres nas eleições de 2022.

Tem sido árdua a tarefa da Justiça Eleitoral de fiscalizar o cumprimento da norma e garantir a participação feminina nas eleições. A súmula editada ontem é essencial para o cumprimento dessa missão e foi amplamente festejada pelos ministros do TSE na sessão.

O texto aprovado reúne elementos utilizados pelo tribunal em julgamentos recentes para detectar as fraudes. São eles: votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou sem movimentação financeira relevante; ausência de atos de campanha ou divulgação da candidatura de outras pessoas.

A partir da fraude detectada, os candidatos são cassados "independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles". Portanto, quem não participou da fraude fica sujeito a perder o mantado. Se houver prova de participação no ilícito, a pessoa ficará inelegível por oito anos. Em 2023, o TSE apontou fraude à cota de gênero em 61 casos. Neste ano, os casos ultrapassam duas dezenas.

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A partir da súmula, o próximo desafio do TSE será refinar a norma para contemplar mulheres que são duplamente alijadas da vida política: primeiro, quando são parte de uma fraude sem ter conhecimento dela. Depois, quando perdem o mandato por esse motivo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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