Professores estão certos em resistir a voltar às escolas
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É inestimável o prejuízo de alunos e pais com a interrupção do ano letivo causada pela pandemia. Não há dúvida que o ensino a distância está longe de suprir a presença do professor e, além disso, o número de estudantes sem acesso a internet decente no país é ainda muito alto. O quadro é dramático.
Mesmo reconhecendo isso, na maioria das cidades do Brasil, nem de longe deveria se pensar em retomar as aulas. O risco para crianças, professores, pais e avós é muito alto, já que o coronavírus continua multiplicando casos e mortes em boa parte das regiões do país.
Há, no entanto, governadores e prefeitos que insistem em liberar a volta às aulas. No Rio, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivella determinou que colégios privados podem funcionar a partir de amanhã. Por causa disso, os professores entraram em greve.
Os grupos que apoiam essa atitude temerária usam argumentos variados. Desde a estapafúrdia negação do isolamento social como único instrumento eficaz de prevenção (tal qual fez o sindicato das escolas particulares do Rio) até a comparação da nossa situação com a que acontece em outras partes do mundo.
Nada mais fácil de rebater.
Para começar, não há precedente de reabertura de escolas feita com segurança em qualquer país que estivesse estacionado há semanas em um patamar superior a mil mortes diárias, como acontece aqui. Ignorar essa diferença e banalizar cotidiano tão trágico como o brasileiro é algo que combina com negacionistas, não com acadêmicos que pensam a questão com seriedade.
Também há quem argumente recorrendo a um artigo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, agência do governo americano, em que são relacionados os prejuízos que a falta de aulas causam para os alunos. O texto recomenda que professores voltem ao trabalho.
Os autores do artigo repetem que o risco de infecção de crianças é baixo. Citam, então, um estudo recente que estimou em 7% o número pessoas com idades abaixo de 18 anos que contraíram o vírus nos Estados Unidos. Se pegarmos esse dado e aplicarmos somente à rede do ensino público municipal do Rio, que conta com 641 mil alunos, teríamos 45 mil estudantes infectados. Alguém acha pouco?
Levando-se em conta que um estudo da Universidade de Granada, divulgado pelo site do El País, concluiu que ao colocar-se 20 crianças em uma sala de aula chega-se a 808 contatos cruzados em dois dias, é possível fazer ideia do potencial de infestação que os colégios têm.
Outro trecho do artigo da agência americana: " Estudos internacionais que avaliaram a facilidade com que o covid-19 se espalha nas escolas também revelam baixas taxas de transmissão quando a transmissão na comunidade é baixa". A maioria dos estados brasileiros estão com a taxa de transmissão em alta. Por si só, esse dado deveria indicar que esse texto não pode ser usado como referência no Brasil.
Pouco adianta compararmos a situação dessa terra governada por Jair Bolsonaro e que tem como ministro da Saúde o general Eduardo Pazuello com a França ou Alemanha.
Temos aqui mesmo, na excelente Fundação Oswaldo Cruz, um estudo que prevê até 3 mil novas mortes por coronavírus no Rio se as aulas retornarem em agosto. A pesquisa estima o contato de crianças e adolescentes de 3 a 17 anos com familiares de grupos de risco. A conclusão científica deveria ser suficiente para encerrar a questão.
Com todos os argumentos contra a reabertura das escolas, os que insistem com o reinício do ano letivo ainda arriscam uma última "explicação" para que se mantenha os estudantes em casa: tudo não passaria de uma articulação movida pelo corporativismo dos professores.
Não pode haver acusação mais injusta.
Com tantas dificuldades de recursos, com remuneração tão baixa e com os reiterados ataques que sofrem, é comovente ver exemplos que os professores dão diariamente de amor ao ofício. Acrescentar às más condições da categoria o risco de uma contaminação por coronavírus que pode ser evitada é tudo que os mestres não precisam. Não há nada de interesse corporativo nisso.
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