Entidade quer financiamento proporcional de candidatos negros já este ano
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A Educafro, entidade que elaborou o texto da consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre financiamento proporcional de candidatos negros, envia hoje carta aos presidentes de todos os partidos pedindo que a regra valha já na campanha eleitoral deste ano. Por 6 votos a 1, o TSE decidiu ontem que as legendas devem distribuir verba eleitoral aos candidatos de acordo com a proporção de negros e brancos, mas isso só entrará em vigor para a eleição de 2020. A consulta foi encaminhada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
"O TSE deu esse presente aos partidos: podem provar que têm atitude antirracista e se antecipar a 2020", disse à coluna o frei franciscano David Raimundo dos Santos, coordenador da Educafro. "Assim podem mostrar que têm equidade".
Ele não acredita que a regra de financiamento proporcional resulte em fraudes, como ocorreu na no caso das cotas para candidatura de mulheres. "Há uma rede forte de candidaturas negras nos quatro cantos do Brasil vigiando as posturas dos seus partidos e prontos a defender o direito", garante.
David defende que nas eleições municipais todos aqueles que se engajam na luta antirracista se unam em torno de chapas que tenham na cabeça candidatos negros.
Essa luta, segundo ele, deve engajar a esquerda, o centro e a direita. Mesmo recebendo algumas críticas, David mantém a estratégia de buscar apoio em todos os campos ideológicos. "Em todas as conquistas do povo negro no Brasil contamos com o voto da direita. A esquerda sozinha não teria aprovado as cotas", recorda.
UOL - Como o sr. pretende que a proporcionalidade no financiamento das campanhas eleitorais para candidatos negros, que só será válido em 2022, seja posta em prática agora?
Frei David - O tribunal fez o máximo diante da regra que proíbe a mudança em ano eleitoral. Mas sinalizou que a partir de agora os partidos serão avaliados para saber o quanto são honestos. Eles têm o poder de já colocar a decisão do TSE para ser usada agora, em 2020. Os partidos honestos, que amam o Brasil e amam o povo negro irão fazer isso.
Estamos encaminhando uma carta para os presidentes de cada partido político para que façam já este ano a divisão de verbas federais acordo com a decisão do TSE para 2022.
Nós vamos divulgar em um quadro os partidos que estão antecipando a aplicação da norma, bem como divulgar os partidos que preferem continuar com o racismo estrutural, que lançam dezenas de lideranças negras no mesmo bairro para dividir os votos e favorecer os caciques. Vamos fazer essas listas circularem pelo Brasil. O povo está acordando e muita coisa vai mudar nessas eleições.
A consulta chegou a ser arquivada. Como voltou à pauta?
A consulta foi encaminhada ao TSE ainda em 2017, motivada pela percepção da radical exclusão de negras e negros nos partidos. Nasceu da fatalidade colonizadora persistente nas legendas, onde o dinheiro é investido prioritariamente na população branca, hetero e rica. Os afrobrasileiros pobres ficam sempre marginalizados. Percebemos que era um círculo vicioso perigoso prejudicial ao Brasil, e que não havia preocupação com equidade, equilíbrio. Não se permitia oportunidade para nascer novas lideranças.
O processo foi extinto, mas nós pedimos o desarquivamento. Entendemos que essa ação deu ao TSE a oportunidade de mostrar que ama o povo afrobrasileiro, que é contra o racismo estrutural. O ministro que desarquivou foi o mesmo que arquivou,
O presidente anterior do TSE não deu a devida atenção a nossa demanda. No entanto, o novo presidente do tribunal, consciente de que o racismo estrutural não faz bem à sociedade brasileira, já na primeira quinzena botou o assunto para julgamento. Houve uma grande celeridade. Normalmente, as demandas que chegam ao tribunal são decididas dois três anos depois.
Qual o risco de acontecer com essa regra o mesmo que aconteceu com cotas para candidaturas femininas, que foram usadas por muitos partidos em candidatas laranjas, apenas para fazer mal uso dos recursos?
Sabemos que grande parte dos caciques dos partidos estão sempre aprontando com a sociedade brasileira. Então, o número imenso de partidos com candidaturas laranjas usando a cota feminina não vai acontecer com o povo negro porque há uma rede forte de candidaturas negras nos quatro cantos do Brasil vigiando as posturas dos seus partidos e prontos a defender o direito.
Nós, da Educafro, queremos fazer um trabalho amplo, acolhendo negros e negras que queiram se somar a nós em um mutirão que nunca houve no Brasil, onde a comunidade negra está se unindo, não permitindo que essa divisão entre esquerda, direita e centro seja danosa para nosso processo de conquista por direitos.
Os candidatos que têm ética e são honestos, seja de qual tendência for, têm consciência de que o racismo estrutural deve ser combatido em todos os partidos. Esse enfrentamento será a única ferramenta para mudar a realidade cruel que é a quase radical ausência de negras e negros na direção dos partidos e eleitos.
Por mais que seja difícil manter a união de esquerda, centro e direita em torno desse objetivo, vamos seguir firmes a frase de Lélia Gonzalez (intelectual, política, professora e antropóloga mineira, ativista do movimento negro, falecida em 1994) que disse que, entre esquerda e direita, ela era negra e defenderia as pautas do povo negro, doa a quem doer. Não vamos cair na armadilha de defender as pautas brancas de esquerda, de direita e de centro.
Lélia deve ser a grande inspiradora desse momento em que a comunidade negra está brigando por seu espaço dentro dos partidos, para que os dirigentes partidários parem de pisar no pescoço da população negra.
Isso quer dizer que para a luta antirracista não faz diferença que o político seja de esquerda, de centro ou de direita?
Faz diferença ser de esquerda, centro ou direita para entender as demandas do povo negro. Mas temos consciência que é possível a pessoa de direita, em um processo de envolvimento com as demandas do seu povo, acabar mudando de lado.
Não podemos dizer que quem é de direita é do demônio e quem é de esquerda é santo. Queremos dizer que todos precisam estar abertos para o contínuo processo de crescimento e despertar de consciência. É preciso destacar que em todas as propostas de cotas no Congresso nos dependemos do voto das pessoas de direita.
Só foi possível votar cotas para negros nas universidades e no serviço público porque conseguimos convencer deputados e senadores de direita a votar do nosso lado. É bom lembrar que a primeira lei de cotas no Brasil, que foi instituída na UERJ, foi de autoria de um deputado do PFL do Rio. Fazendo bom trabalho nós trazemos o poder político da direita para beneficiar o povo negro, nem que seja temporariamente.
Em todas as conquistas do povo negro no Brasil contamos com o voto da direita. A esquerda sozinha não teria aprovado as cotas. Por mais que algumas pessoas não entendam, a Educafro continua a investir na possibilidade do crescimento dos nossos irmãos de direita para votar na nossa causa.
A orientação é que os votos sejam direcionados para candidatos negros?
A Educafro e outras entidades estão percebendo como muito bonita a postura de vários brancos que estão se colocando à disposição para compor o mandato coletivo de negros. Historicamente o voto do negro foi usado para eleger brancos de forma manipulada. Agora esses irmãos brancos querem, de maneira consciente, usar toda sua rede de influência e até seu poder econômico para investir e trazer voto do povo branco para eleger pessoas negras.
A Educafro conversa com a comunidade dizendo que há várias formas de mandato coletivo. Alguns preferem pegar só pessoas negras para fazer um mandato coletivo. Como bandeira, como sinalização de luta, isso é muito bonito. Mas a gente propõe que não só escolham negros, mulheres ou LGBTs. Entendemos que é hora de fazer migrar para o nosso lado os votos dos brancos solidários. Ter brancos nos mandatos coletivos que tenham como cabeças de chapa pessoas negras.
É preciso saber que a mudança do Brasil não vai se dar com o isolamento do povo negro, mas com o povo negro convencendo brancos a serem solidários para atuar e fazer a mudança acontecer com justiça, honestidade, ética, reparação e equidade.
Qual a principal simbologia dessa decisão do TSE?
Entendemos que o tribunal sinalizou positivamente para todo o Brasil, dizendo que está na hora de todas as instituições colocarem luz no problema chamado racismo estrutural, que é cruel e faz estragos. A fala do presidente do TSE ao divulgar o resultado final foi muito nobre, muito equilibrada, convicta. Ficou ao lado de um Brasil que dá oportunidade a todo mundo.
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