Reforma só para quem ganha menos, mantendo casta de privilegiados, é imoral
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Não há quem discorde de que é preciso fazer ajustes nas carreiras do funcionalismo, para reduzir gastos e racionalizar benefícios. Se chamados a ajudar nessa tarefa, os próprios servidores públicos poderão dar sugestões importantes. Fazer uma reforma administrativa ao lado dos funcionários seria mais eficaz do que colocá-los como oponentes.
A tarefa fica, porém, bem mais difícil se o roteiro de mudanças parte do pressuposto de que há no serviço público castas de privilegiados que, apesar de ganharem muitíssimo mais que a média, devem ficar livres dos cortes.
Que categoria de trabalhadores, seja da iniciativa privada ou do governo, concordaria de bom grado com uma barbaridade dessas?
A cristalização de tal desigualdade está prevista na reforma administrativa que Executivo e Legislativo planejam para breve.
A justificativa para isso vem das mentes delirantes de tecnocratas como o ministro Paulo Guedes, que teve o despudor de defender publicamente aumento para quem hoje já ganha salários estratosféricos no funcionalismo, ao mesmo tempo que planeja achatar a remuneração de quem está na base.
Guedes acha que os caciques do serviço público são mais importantes que os índios. Como se em um país com enorme déficit de professores, médicos, enfermeiros, fiscais ambientais e outros tantos profissionais, o brasileiro estivesse mesmo é precisando dos gestores engravatados de Brasília.
É a naturalização desse elitismo deslavado que faz com que juízes de todo o país recebam fortunas mensais pagas com dinheiro público e achem que está tudo bem. Como mostra a reportagem de Fábio Fabrini, Leonardo Diegues e Diana Yukar, da Folha de S. Paulo, mais de 200 mil togados brasileiros recebem entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. No topo, há quem ganhe mais que R$ 500 mil.
Magistrados, militares, integrantes do Ministério Público e parlamentares deveriam ser os primeiros da lista de cortes substanciais em uma reforma decente. No plano traçado, no entanto, eles ficam a salvo e o peso do ajuste recai somente sobre os ombros dos barnabés de salário curto.
Entre as castas, a situação dos juízes tem uma particularidade. Será a eles que os servidores que se sentirem injustiçados com uma eventual reforma acabarão recorrendo.
Como poderão bater com tranquilidade o martelo da Justiça sobre a mesa, se eles próprios estão em situação injusta?
Diante disso, o assunto sai do campo da legalidade e adentra o terreno da moralidade.
Que não reclamem se nessa situação algum funcionário público ameaçado de ter a remuneração ou os benefícios reduzidos vocalizar no tribunal a proposta cínica do jornalista e humorista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta: "Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!"
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