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Chico Alves

Juiz do caso Mariana Ferrer é diretor da escola que forma magistrados em SC

Mariana Ferrer chora em audiência e advogado de Aranha a chama de dissimulada - Reprodução / The Intercept
Mariana Ferrer chora em audiência e advogado de Aranha a chama de dissimulada Imagem: Reprodução / The Intercept

Colunista do UOL

04/11/2020 12h27

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As escolas estaduais de magistratura têm uma função importante. Segundo define o Conselho Nacional de Justiça, essas instituições são voltadas para a formação e o treinamento de juízes, além de acompanhar o estágio probatório dos candidatos selecionados em concursos públicos. Ou seja, ensina o que os magistrados devem fazer para cumprir devidamente suas tarefas.

Um desses nobres locais de aprendizado é a Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina (Esmesc). Ali, o diretor-geral é um personagem que nos últimos dias ficou tristemente famoso.

Trata-se do juiz Rudson Marcos, responsável pela 3ª Vara Criminal de Florianópolis, que conduziu a abjeta audiência de julgamento realizada no mês de setembro, em que a jovem promoter Mariana Ferrer foi humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rocha Filho. Na maior parte do tempo calado, Rudson assistiu a tudo como se não fosse ele o responsável pela sessão.

No julgamento, o réu era o empresário André Camargo Aranha, que responde à acusação de ter estuprado Mariana no Café de La Musique, em 2018. À frente do juiz inerte, porém, os papéis se inverteram. A vítima foi tratada como culpada.

Deve-se à jornalista Schirlei Alves, do site The Intercept Brasil, a publicação do vídeo com um trecho da sessão em que o advogado Rocha Filho humilha a moça. A título de sustentar a tese de relação consensual, o defensor do empresário exibiu fotos em que a jovem aparece em poses sensuais, que ele classificou como "ginecológicas". Comentou que jamais teria uma filha do "nível" de Mariana, e, diante das lágrimas da vítima, manteve-se agressivo. "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, essa lábia de crocodilo", disse.

Sob os olhos complacentes do juiz Rudson Marcos, a vítima transformou-se em ré.

Após Mariana pedir, aos prantos, a intervenção do magistrado, ele limitou-se a dizer que poderia parar a gravação para que ela tentasse se recompor e bebesse água. De forma tímida, recomendou ao advogado a manter "bom nível". Nada mais.

O desempenho do magistrado coloca sob sérias dúvidas a qualidade do ensino da escola que dirige. Que tipo de orientação Rudson Marcos dá aos professores da Esmesc? É esse o modelo de atuação que colocam em prática?

No site da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina há um texto sob o título "Mensagem do diretor". Nele, a figura do juiz é tratada como um novo "engenheiro social", de quem são cobradas "capacidade reflexiva" e "ampla competência em gestão de pessoas". Na audiência em questão, Rudson não exibiu essas qualidades.

À frente, a mensagem ganha toques de ironia, quando diz que os operadores do Direito devem ter "sensibilidade" e "habilidade para mediar e conciliar as partes". Nada disso se viu naquele vídeo.

A sentença de absolvição do empresário foi baseada no parecer do promotor Thiago Carriço, que entendeu que André Camargo Aranha não teve como distinguir se Mariana estava ou não consciente (ela relata que foi drogada).

Diante do ambiente de machismo, misoginia e desrespeito que se verificou no julgamento, porém, todos os parâmetros de avaliação dos envolvidos devem ser questionados. A anulação seria o caminho mais justo.

As cenas de barbárie judicial foram consideradas "estarrecedoras" pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. "O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação", defendeu.

Que os professores e alunos da Esmesc fiquem com essa lição de Mendes e apenas usem a atuação de Rudson Marcos no caso como modelo do que um magistrado nunca deveria fazer.