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Chico Alves

REPORTAGEM

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Após críticas, Cufa cancela reconhecimento facial em doação de cestas

Preto Zezé, presidente da Cufa - Divulgação
Preto Zezé, presidente da Cufa Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

27/04/2021 14h55

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Depois de receber muitas críticas nas redes sociais, a Central Única de Favelas (Cufa) anunciou que vai cancelar o uso de reconhecimento facial como meio de cadastro de moradores das comunidades pobres em que distribui cestas básicas. O método começou a ser usado na semana passada e coletaria dados biométricos de 2 milhões de pessoas. Um dos principais questionamentos é o fato de os cadastrados não terem conhecimento da cessão de suas informações.

A Cufa é a principal organização não-governamental brasileira a desenvolver trabalho social nas favelas.

Uma das primeiras reclamações contra a utilização do reconhecimento facial veio de Ana Carolina da Hora, estudante de Ciência da Computação da PUC-Rio e integrante do Conselho Consultivo de Segurança do Brasil da rede social TikTok.

"Qual a finalidade? Os dados vão ficar armazenados onde? As pessoas assinam algum termo autorizando isso? Transparência dos dados coletados e processados? Qual a empresa por trás disso?", questionou ontem Nina, em postagem no Twitter endereçada a Celso Athayde, um dos dirigentes da Cufa.

Várias reclamações parecidas tomaram as redes sociais e a ONG anunciou em nota que decidiu voltar atrás. "A Cufa acaba de tomar uma decisão. Só fará parceria com os doadores que aceitarem as prestações de conta em forma de fotos e vídeos. Nenhum dado será solicitado a nenhum beneficiado e a transparência será garantida pela nossa palavra".

Além disso, o presidente da entidade, Preto Zezé, reforçou a posição no Twitter: "Tudo cancelado. Inclusive, gerou um bom debate sobre segurança de dados, já que muitas organizações estão colhendo dados".

Para Tarcizio Silva, pesquisador Fellow da fundação americana Mozilla, há três motivos de preocupação na utilização do reconhecimento facial pela Cufa."Não é algo ético ou humano vincular a coleta de dados biométricos ao fornecimento de benefícios sociais, sobretudo em contextos de grande vulnerabilidade", diz ele. "A startup envolvida aproveitou a oportunidade de naturalizar o reconhecimento facial ao se vincular ao projeto da Cufa, uma das iniciativas mais importantes da atualidade no combate aos horrores da pandemia"

Silva acredita que é "assimetria de poder muito cruel solicitar a alguém que está passando fome ou outras necessidades que ofereça algo tão importante quanto seu rosto e dados biométricos para acessar o benefício".

Para o pesquisador, ao se fazer isso com milhões de pessoas ocorre a naturalização de uma tecnologia que ofende a dignidade humana.

Além disso, diz ele, o Brasil tem marcos legais que definem práticas para esse tipo de coleta, armazenamento e uso de dados. A Lei Geral de Proteção de Dados define princípios de necessidade, adequação e transparência que o pesquisador acredita não estarem justificados neste caso.

"E, mais importante, reconhecimento facial é uma tecnologia que deveria ser banida. Internacionalmente, em diferentes países e regiões essa percepção ganha corpo devido ao potencial violento e autoritário da tecnologia, já provado em vários casos de racismo algorítmico e hipervigilância", explica Silva. "Reconhecimento facial em grande escala é uma tecnologia desnecessária, desproporcional e que avança oportunidades de tecnoautoritarismo que já vitima grupos minorizados".

O pesquisador acha que o mero anúncio da suspensão do reconhecimento facial não é suficiente para resolver a questão. Ele sugere auditoria externa e escrutínio público dos interesses em promover a coleta massiva de dados de grupos vulnerabilizados.