Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ministério da Justiça institui a volta da censura, a maior das indecências
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Autointitulado comediante, Danilo Gentili é mestre em piadas de mau gosto. Ainda acredita no tipo de humor antigo, que constrange as pessoas, usa ingredientes de machismo e outros "politicamente incorretos". Há cinco anos, lançou nos cinemas o filme "Como se tornar o pior aluno da escola", baseado em um livro (!) seu.
O filme fez relativo sucesso e foi prestigiado por simpatizantes de Jair Bolsonaro - na época, Gentili era bolsonarista de carteirinha. Depois da carreira nos cinemas, foi parar na Netflix, Amazon Prime, Globoplay e outras plataformas.
Seguia uma trajetória normal até que as redes sociais de militantes reacionários resgataram uma cena em que um personagem interpretado por Fábio Porchat sugere a alunos adolescentes que o masturbem. Foi o bastante para que o filme, que desde 2017 vinha sendo assistido normalmente, se transformasse em obra maldita.
Vislumbrando uma oportunidade de arranjar treta com os inimigos da área cultural (Gentili agora está do outro lado), o secretário especial de Cultura, Mário Frias, políticos bolsonaristas e a milícia digital de extrema-direita iniciaram uma campanha nas redes, divulgando que o filme tem apologia à pedofilia.
É como dizer que filmes em que aparecem assaltantes de banco incentivam assalto, que obras com cenas de tiroteios fazem apologia do homicídio e um clássico como "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, contém ode ao estupro, por causa do trecho em que a gangue invade a casa e abusa de uma mulher. Querem filmes só com mocinhos.
Vinda de quem vem, essa visão imbecil do mundo não é surpresa. A novidade mesmo é o nível de puxasaquismo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que hoje determinou que as plataformas suspendam a exibição do filme "imediatamente", sob pena de multa diária de R$50 mil.
Torres se rendeu à pressão dos bolsonaristas e, como se tomasse decisão corriqueira, instituiu a volta da censura ao Brasil.
É preciso resistir a mais esse ataque autoritário do governo de Jair Bolsonaro. A democracia já fez concessões demais nos últimos tempos, mas censura não pode ser tolerada.
Curioso é que muitos dos que hoje se dizem escandalizados com as cenas de "Como se tornar o pior aluno da escola" viram o filme há cinco anos e não fizeram nenhum escarcéu.
É o caso de reacionários insuspeitos como o pastor e deputado Marco Feliciano (PL-SP). À saída do cinema, em 2017, ele posou ao lado do pôster do filme e escreveu nas redes sociais: "Parabéns, Danilo Gentili. Há tempos não ria tanto".
Com a onda de condenação atual, inventou uma desculpa: "Confesso que não me recordo da cena que faz apologia à pedofilia, devo ter saído para atender telefone". Feliciano apagou o tuíte antigo e juntou sua voz à campanha contra a obra.
São esses falsos moralistas que pontificam na atual ofensiva do obscurantismo brasileiro.
É bom que os bolsonaristas e o ministro da Justiça saibam: nessa polêmica, a maior imoralidade não são as cenas da história de Gentili, mas a reação do governo.
A ser mantida a volta da censura, abolida desde antes do fim do regime militar, o Brasil já não poderá ser considerado um país democrático.
Não há nada mais pornográfico do que isso.
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