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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Antipetismo fez Brasil normalizar presidente que defende a tortura

Presidente Jair Bolsonaro -  O Antagonista
Presidente Jair Bolsonaro Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

19/04/2022 17h11

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"O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes de pior caráter que o encarcerado".

O comentário, feito em outubro de 1976 pelo almirante Júlio de Sá Bierrenbach, na época ministro do Superior Tribunal Militar (STM), foi revelado em um dos áudios que a jornalista Miriam Leitão publicou em sua coluna de domingo (17) no jornal O Globo. Bierrenbach qualifica de maneira adequada os torturadores: gente covarde e mau caráter.

Basta ser minimamente civilizado, de farda ou não, para reconhecer essa obviedade.

Quem vai na contramão e defende a tortura se torna cúmplice da barbárie. É igualmente covarde e mau caráter.

Uma figura desse tipo ganhou destaque na política brasileira em 2018, no auge da onda antipetista. Era compreensível que o personagem conquistasse a simpatia de arrivistas sem escrúpulos e apólogos da ditadura militar, que sempre existiram.

Mas o terrível mesmo é que a selvageria do candidato Jair Bolsonaro foi amenizada por pessoas que nos anos de chumbo lutaram contra o regime dos generais. Um contingente que décadas antes tinha protestado contra as sevícias nos porões da ditadura passou a tratá-lo como alguém palatável para a Presidência.

Tudo em nome de tirar o PT.

Durante a campanha eleitoral de 2018, parte do empresariado, dos políticos, a maioria dos militares e quase toda a imprensa tratou Bolsonaro como se ele não tivesse dedicado seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao facínora Brilhante Ustra, como se não tivesse falado que o erro da ditadura foi torturar e não matar, como se não aproveitasse todas as oportunidades para louvar a ditadura militar. Parecia que tudo isso era detalhe.

Enquanto o então candidato dava entrevistas na TV, nos jornais e nos sites multiplicando a mentira do kit gay sem ser devidamente desmentido, a imprensa insistia em tratar com ele de temas como economia, saúde, educação e preservação ambiental, na ilusão de que Bolsonaro tivesse algo de útil a propor sobre esses assuntos.

Para se livrar do PT, empresários, banqueiros, dirigentes de entidades classistas, representantes do Judiciário e políticos lidaram com o candidato na esperança de que a democracia conseguisse domar aquele defensor da tortura. Como era de se esperar, deu-se o contrário: foi Bolsonaro que perverteu a democracia brasileira.

A ponto de nos últimos anos generais da reserva bolsonaristas e o ministro da Defesa, além do próprio Bolsonaro, exaltarem torturadores como heróis nacionais.

O mais grave é que esse transe ainda não passou.

Neste ano eleitoral, os mesmos setores da sociedade que relevaram as atrocidades do antigo candidato do PSL tratam de forma equivalente os dois líderes das pesquisas de intenção de voto, Lula e Bolsonaro.

Por mais discordâncias na área econômica e de costumes que qualquer conservador honesto possa ter com o PT, ninguém pode acusar Lula de atacar a democracia ou investir contra os valores civilizatórios. A marca do governo petista foi a conciliação - para alguns de seus correligionários, ele conciliou até demais.

A defesa da tortura e dos torturadores é pedra fundamental do atual governo, sintetiza o ânimo de violência que Bolsonaro espalha por todos os setores, ao permitir um derrame de armas na sociedade, ao afrouxar regras que reprimiam o garimpo ilegal, ao criar condições para os ataques a grupos indígenas, ao potencializar as mortes durante a pandemia.

Morte e violência. Essas são as fixações de Bolsonaro.

Que os adversários do PT encontrem formas mais honestas de tentar vencer nas urnas o partido de Lula do que equiparar o ex-presidente ao atual.

Atuar na política em campo oposto ao Partido dos Trabalhadores é do jogo democrático. Isso nada tem a ver com a demonização da legenda.

Em grande medida, a síndrome do antipetismo que se abateu sobre empresários, políticos, Judiciário e - especialmente - imprensa legou ao Brasil a turma que hoje ocupa o Palácio do Planalto e tem o facínora Brilhante Ustra como padroeiro.

Pelo bem do país, que esse erro não se repita - embora tudo leve a crer que se repetirá.