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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro sugerir fuzilar petistas é pior que discurso de ódio, é incitação

Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a "petralhada" - Reprodução / Youtube
Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a 'petralhada' Imagem: Reprodução / Youtube

Colunista do UOL

26/07/2022 13h29

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Na entrevista que concedeu à jornalista Ângela Pinho, publicada na Folha de S. Paulo, a professora Clarissa Piterman Gross, da FGV Direito SP, disse não identificar em algumas falas do presidente Jair Bolsonaro as características para enquadrá-las como "discurso de ódio", como tem acontecido normalmente. Essa é uma distorção comum em expressões ou palavras que entram na moda. São repetidas à exaustão, mesmo nos casos em que não deveriam ser usadas.

A todo momento conversas são salpicadas por termos como "empatia", "resiliência", "disruptivo", "narrativa" ou "performar" usados de forma completamente inadequada. "Discurso de ódio" é uma expressão que está em alta desde 2018 e sofre desse mal, é aplicada muitas vezes a casos em que não caberia.

A professora define "discurso de ódio" como o conjunto de falas que ataca "a honra coletiva de grupos, própria do direito civil e por vezes reconhecida pelo Judiciário, que constitui respeito à reputação e à autoestima de grupos", Em outro aspecto, define como ato de "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Esse é o artigo 20 da lei 7.716, conhecida como Lei do Racismo.

Ou seja: o discurso de ódio é direcionado a discriminar negativamente um grupo por conta de sua raça, cor, etnia, religião ou local de nascimento.

Por essa perspectiva, muitas declarações que são enquadradas nessa expressão do momento não têm relação com ela.

Para Clarissa Piterman Gross, quando Bolsonaro falou no Acre em "fuzilar a petralhada", pode ter sido grosseiro, ignorante e tosco, mas não cometeu "discurso de ódio". O colunista concorda. Na verdade, o então candidato Bolsonaro cometeu algo bem pior: incitação ao crime, pura e simples.

A principal discordância com a professora se dá quando ela ameniza a agressividade da fala de Bolsonaro, ao fazer curiosa leitura de seu contexto. "Penso que havia razões para interpretar o discurso como afirmação da aposta na vitória sobre o PT nas eleições", disse ela.

Tanto antes quanto depois dessa declaração, Bolsonaro se acostumou a defender a morte de adversários.

Antes, disse que a ditadura militar deveria ter matado muito mais, ameaçou tirar a vida do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outras aberrações. Depois, quando eleito, defendeu que os oponentes de esquerda fossem levados para a "ponta da praia", numa alusão ao local onde opositores do regime militar eram executados, prega que o povo ande armado e efetivamente tem liberado o porte e posse de armamentos em níveis assustadores.

Acrescente-se a isso o gesto feito pelo candidato, que usou um tripé de câmera para simular um fuzil e imitou o gesto de um atirador.

Como uma figura pública - parlamentar desde a década de 1990 - faz e fala algo assim e não tem responsabilidade sobre o efeito de suas palavras sobre o ânimo violento dos seguidores? Será possível dizer que estamos em sociedade civilizada se os adversários políticos passarem a lançar bravatas assim uns contra os outros?

O que Bolsonaro fez no Acre e faz várias vezes é bem pior que praticar discurso de ódio, figura que, como chama atenção a pesquisadora, nem está prevista na Legislação.

Mas está detalhado no artigo 286 do Código Penal o delito de incitação, que consiste em "incentivar, estimular, publicamente, que alguém cometa um crime".

A pena de 3 a 6 meses de prisão é muito branda, mas pelo menos passamos a chamar o crime de Bolsonaro pelo nome.

A discussão também serve para reduzir um pouco o uso da famigerada expressão "discurso de ódio" somente aos momentos em que ela seja realmente apropriada.