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Chico Alves

REPORTAGEM

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Há indícios de genocídio indígena, diz ex-juíza do Tribunal Internacional

Sylvia Steiner - Reprodução
Sylvia Steiner Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/01/2023 12h51

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Chocou o Brasil e o mundo a situação dramática da comunidade ianomâmi em Roraima, onde pelo menos 570 crianças morreram de subnutrição nos últimos quatro anos e também adultos estão em condições críticas. Em visita à região, ao lado de ministros e equipes de atendimento de emergência, o presidente Lula criticou, no sábado (21), seu antecessor, Jair Bolsonaro, pelo abandono desses povos originários. A acusação de genocídio contra o ex-presidente e seus subordinados voltou a ser mencionada.

A desembargadora brasileira Sylvia Steiner atuou de 2003 a 2016 como juíza no Tribunal Penal Internacional (TPI), localizado em Haia, na Holanda, instância que julga governantes de todo o mundo apontados como genocidas e acusados de crimes contra a humanidade. Para ela, esse tipo de acusação precisa ter rigor jurídico e não apenas a marca retórica, para evitar a a vulgarização daquele que é chamado de "crime dos crimes", o mais grave de todos.

"Do ponto de vista do sucesso da ação penal, se pode ir tanto pela acusação de extermínio, que é um crime contra a humanidade, quanto pela de genocídio", explicou ela à coluna. "Com as novas informações, os indícios de genocídio agora estão mais fortes do que antes".

As informações a que Steiner se refere reverberaram no último fim de semana:

- Foram enviados ao governo pelo menos 21 ofícios notificando da situação calamitosa em que estava a comunidade;

- Houve comunicação às Nações Unidas sobre a condição dos ianomâmis, que foi respondida pelo então presidente Bolsonaro dizendo que estava tudo bem ali;

- Não foi cumprida medida cautelar expedida pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos com relação à proteção daqueles indígenas, inclusive com a determinação pelo Supremo Tribunal Federal de criação de barreiras sanitárias para impedir o ingresso de não-indígenas nas terras daquela comunidade

- Projeto de Lei que previa medidas de proteção às comunidades indígenas durante a pandemia (oferta de leitos de UTI, produtos de limpeza e água potável) foi vetado por Bolsonaro a pedido da ministra Damares Alves. O veto foi derrubado, mas as medidas não foram implementadas.

"Esses dados podem levar à conclusão de que havia uma política de Estado para o extermínio da população ianomâmi. A figura do extermínio, esse tipo de crime contra a humanidade, é muito parecida com o genocídio", diz Steiner. "A diferença entre as duas é o dolo específico: na ação genocida tem que haver a convicção de que cada iniciativa foi tomada com a intenção de limpar os ianomâmis da face da Terra. É uma diferença sutil".

Ela observa que determinar a intenção é matéria de prova, algo que vai ser apurado no decorrer da ação. Inclusive com a citação às diversas declarações de Bolsonaro mesmo antes de chegar à Presidência da República, propalando seu desejo de que os indígenas fossem exterminados.

"Uma observação neste momento: realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país", disse Bolsonaro na Câmara dos Deputados, em 1998.

"Essas falas ilustram bem a ideologia, a intenção dessa pessoa", destaca Steiner. "Acho que há elementos suficientes agora para o TPI tomar uma iniciativa".

Para ela, além do ex-presidente, devem ser levados ao tribunal internacional todos aqueles que colaboraram para a atual calamidade, como Damares Alves, Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente), Eduardo Pazuello (ex-ministro da Saúde) e Marcelo Queiroga (último ministro da Saúde da gestão anterior).

Atualmente há uma denúncia contra Bolsonaro por genocídio que está tramitando no TPI, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).