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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Afinal, o que fez o homem que foi carregado amarrado por PMs?

PMs carregam homem negro preso com mãos e pés amarrados - Reprodução de vídeo
PMs carregam homem negro preso com mãos e pés amarrados Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

07/06/2023 16h17

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Desde que fez viralizar o vídeo em que um homem negro e pobre é carregado com pés e mãos amarrados por dois policiais de São Paulo, o padre Júlio Lancellotti leu e ouviu várias vezes uma mesma pergunta. "Mas o que ele fez?", questionam alguns, como se o delito cometido pelo preso pudesse justificar a barbárie praticada pelos PMs.

A pergunta segue a lógica policialesca de muitos brasileiros segundo a qual aquele que comete um crime, por menos grave que seja, não tem direito de reclamar do tratamento recebido das autoridades policiais. Essa regra não escrita vale apenas para os pobres e pretos, claro.

No caso dos chamados crimes do colarinho branco, em que empresários, executivos ou políticos são acusados de surrupiar milhões dos cofres públicos, houve recentemente grande mobilização para abolir o uso de algemas pela polícia no momento da prisão desses personagens — praticamente todos brancos e bem vestidos.

Tanto os detidos quanto seus advogados consideram — com razão — que esse tratamento é humilhante. Raramente alguns dos presos tenta a fuga ou agride os agentes da lei.

As polícias, então, mudaram sua prática. Hoje, não se vê mais engravatados usando algemas a caminho da cadeia.

Se os brancos da classe média ou endinheirados que são acusados de desviar milhões não devem ser algemados, por quais motivos negros e pobres que furtam itens baratos como duas caixas de bombom — como foi o caso do homem que aparece no vídeo — deveriam ser carregados de mãos e pés atados para a delegacia, como se fossem animais?

A resposta é simples: racismo e aporofobia, que é a aversão por pessoas pobres, são as únicas justificativas para esse comportamento.

Infelizmente, boa parte dos brasileiros não compreendeu ainda que é a lei que prescreve a pena e a forma de tratamento tanto para os que praticam pequenos delitos quanto àqueles que cometem crimes hediondos. Autoridades policiais não podem aplicar castigos que não estejam previstos na legislação.

A ideia de que cada soldado ou agente pode agir com os criminosos e delinquentes da forma que lhes der na telha, como se estivéssemos em um faroeste, é o que acaba por manter nossa sociedade em clima de faroeste.

É preciso que a sociedade compreenda o paradoxo que é o fato de que muitas das autoridades encarregadas de cumprir a lei atuem fora dos limites legais.

Se não desejamos viver em uma nação miliciana, em que os mais fortes ou mais armados ditem as regras de conduta para a sociedade, é preciso conter essa rotina de selvageria praticada falsamente em nome da ordem.

Se isso acontecer, na próxima vez que surgir uma cena tão degradante quanto a mostrada no vídeo em que o homem é carregado como bicho, prevalecerá o justo sentimento de indignação em favor daquele ser humano.

E não haverá mais quem busque justificativa para uma ação tão revoltante, lançando no ar a pergunta capciosa: "Mas o que foi que ele fez?".