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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Governo não tem que dar satisfações a Arthur Lira sobre o trabalho da PF

Colunista do UOL

06/06/2023 16h05

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Desde que Jair Bolsonaro se tornou presidente da República e começou seus ataques constantes à democracia, uma frase passou a ser repetida com insistência para tentar acalmar os brasileiros mais assustados: "As instituições estão funcionando". Basta relembrar as inúmeras barbaridades cometidas por Bolsonaro para concluir que a afirmação não correspondia fielmente à realidade.

Terminado o desgoverno Bolsonaro, ainda há muitos motivos para questionar se as instituições do país estão mesmo funcionando como deveriam. Basta acompanhar os desdobramentos da investigação da Polícia Federal sobre assessores diretos do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), para que essa dúvida se torne ainda mais robusta.

Em uma apuração sobre fraude na compra de kits robótica para municípios do interior de Alagoas, com recursos de emenda do relator, a PF mirou alguns auxiliares de Lira. Como a Folha de S. Paulo publicou hoje, os investigadores gravaram vídeo do que seria uma suposta entrega de dinheiro para o motorista de Luciano Cavalcante, ex-auxiliar direto do deputado.

O assunto explodiu na imprensa na quinta-feira (1º), quando a PF encontrou em Maceió um cofre com cerca de R$ 8 milhões em dinheiro vivo. A grana seria resultado do superfaturamento dos itens de robótica comprados com dinheiro das emendas.

A partir daí, Lira passou a ser a estrela desse enredo. Foi questionado sobre o que achou da ação policial, se a operação abalaria o já tênue relacionamento com o Executivo e quais providências iria tomar. Tentou mostrar serenidade, mas pouca gente acreditou nessa fleuma.

Apesar de dizer que nada tem a ver com as acusações imputadas a seus auxiliares e ex-auxiliares, o presidente da Câmara cobrou do governo explicações. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, foi a sua residência dar satisfações. Lira também tratou do assunto com o presidente Lula, que garantiu que não havia nenhum componente de chantagem no trabalho da PF, apenas a marca da autonomia da corporação.

A cobrança do presidente da Câmara sobre o governo - e as respostas que recebeu - aproximam o Brasil de uma republiqueta caricata. Como se estivesse no âmbito de uma cidadezinha em que age como antigo coronel político, Lira não gostou de ver a polícia agindo contra os seus.

Que o deputado alagoano tenha esse comportamento, não surpreende.

O que espanta é que o ministro e o presidente tenham respondido a suas preocupações provincianas.

O fato de a PF ter feito seu trabalho sobre pessoas próximas a Lira é uma prova de que as instituições estão funcionando. Afinal, todos são - ou deveriam ser - iguais perante a lei.

Mas assistir ao melindre do presidente da Câmara e ao temor de aliados do governo de que a ação policial possa gerar represálias em votações importantes é sinal de que as tais instituições não estão funcionando ainda como deveriam.

Nenhuma autoridade policial deve pensar duas vezes para fazer seu trabalho, desde que baseado estritamente nas leis.

O prosseguimento da investigação da PF vai mostrar se essa autonomia é real ou se a interferência de Lira teve algum efeito indesejado sobre a apuração de superfaturamento dos kits de robótica.

Em breve, saberemos.