Barroso se excedeu, mas fica a questão: existe bolsonarismo democrático?
O céu desabou ontem sobre a cabeça do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF). Circulou à exaustão o vídeo em que ele grita aos jovens no evento da União Nacional dos Estudantes (UNE): "Nós derrotamos o bolsonarismo!". A forma e o conteúdo não poderiam ser mais desastrosos.
Obviamente, as críticas mais duras vieram dos bolsonaristas. Alguns deles cogitam até pedido de impeachment de Barroso. Juristas e operadores do Direito também desaprovaram e lembraram que o episódio pode provocar a suspeição do ministro em relação a ações que envolvam Jair Bolsonaro. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sugeriu retratação.
Foi o que Barroso fez. Explicou que se referia "ao extremismo golpista e violento que se manifestou no 8 de janeiro e que corresponde a uma minoria". Também escreveu que jamais pretendeu ofender "os 58 milhões de eleitores do ex-presidente nem criticar uma visão de mundo conservadora e democrática, que é legítima".
Fora a pleonástica conclusão de que os ministros do Supremo têm que parar de tagarelar fora dos autos, o episódio deixa no ar uma questão importante.
Ao pedir que Barroso se retratasse, Rodrigo Pacheco criticou as declarações "em relação a um segmento político, uma ala política, à qual eu não pertenço".
A definição do presidente do Senado parece seguir o conceito de "banalidade do mal", criado pela escritora Hannah Arendt.
Um dos principais motivos de a democracia brasileira ter corrido grande risco nos últimos anos foi justamente o fato de tantos terem minimizado os gestos e declarações de Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Basta lembrar a relutância em tratar Bolsonaro como alguém de extrema direita.
Que esse erro não se repita: o bolsonarismo não é apenas um segmento político ou uma ala política, como disse Pacheco. É uma corrente autocrática, que tem como objetivo detonar a democracia.
Bolsonaro chegou ao poder pelo voto, mas desde o início do mandato de presidente passou a fazer campanha para implodir o sistema eleitoral. Falou e agiu para armar a população, insuflou simpatizantes a atacarem as instituições, ameaçou confrontar o Judiciário. Perdida a eleição, incentivou o clima de golpismo que resultou no 8 de Janeiro. Seus seguidores só não deram um golpe de Estado porque não conseguiram o apoio das Forças Armadas.
Além disso, um traço comum dos bolsonaristas (a parte radical dos eleitores de Bolsonaro) é enxergar adversários políticos como inimigos a serem exterminados. São recorrentes entre eles o racismo, a misoginia, a homofobia.
Visto assim, o bolsonarismo é irmão do fascismo, do integralismo e do nazismo. Não tem nada de democrático.
Foi monumental o erro de Barroso ao fazer papel de líder estudantil retardatário no evento da UNE. Se a discrição é comportamento indicado para todo juiz, muito mais para um integrante do Supremo.
Mas quando diz "nós vencemos o bolsonarismo", o ministro não se refere a uma linha política convencional, que de vez em quando tem rompantes autocráticos, como dá a entender Pacheco. Ele se refere a uma corrente que é a favor da barbárie e contra as instituições democráticas.
Se Barroso ou qualquer outro magistrado bradasse "nós derrotamos o nazismo!" ou "nós derrotamos o fascismo!", a repercussão seria mínima.
Se considerarmos que o caráter totalitário é da natureza do bolsonarismo, da mesma forma como é do nazismo e do fascismo, talvez o erro do ministro não tenha sido tão grande quanto querem fazer parecer.
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