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Entendendo Bolsonaro

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Em live de janeiro, Pazuello questionou eficácia do uso de máscaras

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante live - Reprodução/Facebook
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante live Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

20/05/2021 02h36

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* Rafael Burgos

Em três lives em que participou junto com o presidente Jair Bolsonaro quando ainda no governo, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello flertou com teses negacionistas sobre a pandemia, como o descrédito do uso de máscaras e do distanciamento social. A postura vai de encontro às declarações do general à CPI da Pandemia nesta quarta (19), em que afirmou concordar com recomendações científicas para o combate à covid-19.

Durante sua passagem pelo Ministério da Saúde, de interino a efetivo, Eduardo Pazuello esteve presente em três transmissões realizadas pelo presidente Bolsonaro em sua página numa rede social, a primeira em agosto de 2020, ainda como interino, e as duas últimas em janeiro de 2021, já como titular da pasta da Saúde.

'Contágio inevitável, mortes evitáveis'

Em live transmitida no dia 6 de agosto, Pazuello defendeu o tratamento precoce para a covid-19 enquanto desacreditou a adoção de medidas restritivas para o enfrentamento da doença.

"A curva de óbitos, o número de óbitos, ele não precisa estar diretamente ligado ao número de contaminados (...). O próprio desconhecimento desse vírus e da forma de contágio desse vírus, ou a velocidade de contágio, ela faz com que a gente não possa prever exatamente cada curva. Agora, a curva de óbito não", afirmou o general.

Desde o começo da pandemia, há consenso científico a respeito do uso de máscaras e do distanciamento social como elementos indispensáveis para conter o contágio, mas, segundo Pazuello, o governo federal não dispunha de meios para freá-lo. Sem amparo em qualquer evidência, o ministro creditou o aumento da curva de agosto ao inverno. "Aumentaram os casos, a gente não tem uma solução imediata. Agora, o tratamento dos doentes sim", afirmou.

Há uma razão para Pazuello dizer isso: o governo Bolsonaro contava com uma solução mágica para oferecer aos já contaminados pela doença, a cloroquina, mas nada podia dizer aos ainda não infectados, sob pena de sacrificar o antagonismo com governadores e prefeitos. Assim, segundo se infere da afirmação do general, estaríamos, àquela altura, enfrentando uma curva "inevitável" de contágio, mas diante de mortes evitáveis.

A 'incógnita' das medidas restritivas

Por duas vezes, em lives com Bolsonaro, o então ministro da Saúde pôs em dúvida a eficácia de medidas restritivas adotadas em todo o mundo, e amparadas pela ciência, para o combate à covid-19.

Na transmissão do dia 7 de janeiro, em resposta a pergunta do influenciador de extrema direita Guilherme Fiuza, comentarista da Rádio Jovem Pan, que havia questionado a necessidade de ampla vacinação no Brasil, Pazuello indicou a prática de esportes e a alimentação saudável como "grande resposta" para pessoas acima de 50 anos com covid, que correspondiam à maior parte dos infectados pela doença. Minutos antes, Bolsonaro havia mencionado uma relação entre indivíduos assintomáticos e altas taxas de vitamina D no organismo, o que contraria notas técnicas do próprio Ministério da Saúde, conforme mostrou a Folha.

As declarações vão ao encontro do que disse o general nesta quarta, quando alegou que o negacionismo de Bolsonaro decorria de um "zelo ao psicossocial do povo". Como afirmou muitas vezes o presidente, medidas cientificamente comprovadas para deter a covid, para ele, causariam males mais graves do que o próprio vírus, razão pela qual aglomerações seriam toleráveis.

Dúvida quanto à eficácia das máscaras

O uso da máscara, o afastamento social, as medidas de isolamento, todas as medidas restritivas ou não, isso tudo, nós temos muita dificuldade de encontrar o que deu certo e o que deu errado. Depende de cada lugar, depende muito de cada região que está sendo aplicada.

Eduardo Pazuello (14/01/2021)

O questionamento de medidas restritivas, bem como do uso de máscaras, em detrimento da defesa da imunidade alta como proteção contra o vírus tem sido uma verdadeira obsessão do governo. Segundo reportagem da piauí, assessores de Pazuello, quando cobrados pelo uso dos equipamentos de proteção, costumavam dizer que "quem é feliz não pega covid".

Foi exatamente nesse sentido que argumentou o ex-ministro da Saúde na live do dia 14 de janeiro, a terceira e última em que participou ao lado de Jair Bolsonaro. Na ocasião, o influenciador bolsonarista Rodrigo Constantino havia posto em dúvida a eficácia do uso de máscaras e do distanciamento social.

Pazuello, após chamar de "muito inteligente" a indagação de Constantino, pontuou que "felicidade", "trabalho", "alimentação", "sono" e "estar de bem com a vida" seriam as únicas orientações confiáveis para se proteger do vírus, já que contribuiriam para o aumento da imunidade.

Quanto ao uso de máscaras, que, desde abril de 2020, é recomendado pela OMS para pessoas que apresentem sintomas e aquelas que estejam cuidando de um paciente com covid-19, além dos profissionais de saúde, o general afirmou que possuía "muita dificuldade de encontrar o que deu certo e o que deu errado".

* Rafael Burgos é jornalista e mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. É editor da coluna Entendendo Bolsonaro.