Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Militares sinalizam que Bolsonaro sai do poder apenas se quiser
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* Vinícius Rodrigues Vieira
A divulgação da nota de repúdio das Forças Armadas contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), entrará para a história como o momento em que o novo autoritarismo atravessou o Rubicão dos pudores políticos para golpear de vez a democracia.
Que os fardados já tinham se tornado os senhores da República sob o atual governo era evidente. No entanto, apenas nesta quarta-feira (8) ficou claro que os comandantes militares estão dispostos a tudo para manter Jair Bolsonaro na presidência.
Isso porque a CPI já demonstrou ter arsenal suficiente para atingir o coração do Planalto. Ao intimidar Aziz e distorcer suas críticas pontuais a maus militares, os comandantes não apenas sinalizam que se pretendem intocáveis, imunes a investigações e, portanto, ao império da lei. Eles indicam que o próprio governo Bolsonaro é intocável. Qualquer acusação de corrupção contra a atual administração seria golpismo, coisa de comunista.
Você não leu errado, caro leitor, cara leitora. Depois de 30 anos da dissolução da União Soviética, nossos militares ainda operam com a mentalidade da Guerra Fria. Causa espécie ler no Correio Brazileinse reportagem que relata o temor de militares ao verem imagens dos protestos contra Bolsonaro, associando-os a um suposto perigo comunista. Cuba e Coreia do Norte não fazem sequer cócegas em nós. A China dita comunista não representa tal doutrina senão um exemplo bem-sucedido de Capitalismo de Estado sob estrito autoritarismo.
Portanto, se há um espectro autoritário rondando o Brasil há anos, não é um fantasma de esquerda. Trata-se, sem dúvida, do espírito de porco do fascismo, encarnado no desrespeito a minorias e na deferência a um Estado-forte a serviço de corporações como militares e juízes, nos subsídios a grupos econômicos escolhidos a dedo em troca de apoio político.
O brasileiro médio é demasiadamente conservador para aceitar uma suposta ditadura comunista, mas suficientemente estatista para acolher um regime autoritário com traços de extrema-direita. Foi assim com o Estado Novo e com a Ditadura Militar.
Será assim com o bolsonarismo? Tudo indica que sim, pois, se os comandantes militares ousam intimidar um representante do povo e ficam impunes, o que não farão no dia em que Bolsonaro agarrar-se-á à cadeira presidencial sob o argumento de que as eleições de 2022 terão sido fraudadas? Na prática, as Forças Armadas não estão divididas, mas convergem para um autoritarismo de direita -- como já argumentei neste espaço, um bolsochavismo.
Até ontem, eu acreditava que os militares atuariam apenas como fiadores de qualquer um que possa ser eleito em 2022 -- Lula inclusive. Este, assim como qualquer eventual inquilino do Planalto nos anos vindouros, terá de se sujeitar à tutela dos fardados ou encarar uma constante instabilidade institucional. Depois da nota de quarta-feira, tenho certeza de que não apenas os militares, mas seu consórcio com o bolsonarismo, vieram para ficar com muito leite condensado, picanha e pensões para a prole.
Por falar em prole, melhor eu parar por aqui porque tenho família. Não ambiciono ser alvo de um inquérito por ofender a honra das Forças Armadas -- se bem que não há honra a ser ofendida quando já se está despido dela.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na FGV
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