Topo

Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Inelegibilidade transformará Bolsonaro em mártir, consolidando golpismo

Apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizaram um ato na região central de Belo Horizonte - FREDERICO ANDRADE/ESTADÃO CONTEÚDO
Apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizaram um ato na região central de Belo Horizonte Imagem: FREDERICO ANDRADE/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

03/08/2021 17h26

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

* Rafael Burgos e Vinícius Rodrigues Vieira

Jair Bolsonaro conseguiu o que queria: perante seus seguidores, virou um mártir perseguido pelas instituições corruptas que lhe ameaçam negar o direito a concorrer às eleições. Melhor roteiro não poderia haver para quem ambiciona perpetuar-se no poder. Se for impedido de disputar o pleito por eventual decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente chamará seus seguidores às ruas, os quais, no delírio bolsonarista, vão assegurar com armas a verdadeira liberdade da nação — a liberdade de aniquilar a democracia corrompida por esquerdistas — ou seja, aquilo que os partidários da ultradireita tupiniquim rotulam de comunismo.

Terá sucesso o presidente? Os ministros do Supremo e do TSE estão pagando para ver. Jânio Quadros renunciou esperando retornar ao Planalto sob aclamação popular. Não conseguiu. Fernando Collor pediu ao povo para inundar as ruas de verde e amarelo — recebeu um mar de luto, repleto de cidadãos de camisas pretas. Terá Bolsonaro o mesmo destino quando convocar o golpe? Temos nossas dúvidas. Isso porque os bolsonaristas são aguerridos e contam com parcela significativa de adeptos dispostos a matar e a morrer pelo presidente. Ademais, diferentemente de Jânio e Collor, Bolsonaro retém a simpatia significativa de militares dos mais diferentes níveis hierárquicos

Não temos dúvidas de que, no minuto seguinte a sua eventual inelegibilidade, Bolsonaro vai convocar seus camisas verdes-amarelas às ruas. A extensão do estrago — e do inevitável banho de sangue que sofreremos ou testemunharemos neste cenário — dependerá da adesão dos militares mais graduados das Forças Armadas e até mesmo das polícias militares, sabidamente bolsonaristas.

Como dissemos em novembro do ano passado, após o pleito municipal, e na linha do que temos exposto nesta coluna ao longo dos dois anos e meio de governo Bolsonaro, o presidente não opera por vias institucionais. Portanto, medir a sua fraqueza ou a sua força à luz de velhos mecanismos de análise, olhando apenas para a força (retórica) das instituições, constitui um erro crasso, que nos impossibilita de entender em que pé estamos.

Isso porque, para além de seus seguidores fanáticos, Bolsonaro é sustentado por grupos para os quais a oposição democrática torceu o nariz nas últimas três décadas — a saber, o agronegócio, os evangélicos, e os militares. O establishment precisa entender que o país não é mais um reflexo das velhas elites que habitam ou são comensais de lares da Zona Oeste paulistana ou da Zona Sul carioca. As grandes cidades perderam. Resta-nos o grande deserto da monocultura agrícola e de ideias, no qual caminha o gado de abate e o eleitoral.

Temos, portanto, terreno mais fértil para uma ruptura do que gostam de reconhecer os analistas, que insistem em enxergar um país que não mais existe. Assim, faltando quase um ano para as eleições de 2022, tornar-se inelegível faz parte do plano de Bolsonaro para golpear o que sobrou da democracia e do Estado Democrático de Direito. Na figura de Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, o bolsonarismo encontra um novo antagonista, o que lhe permite fulanizar o debate na mesma medida em que alimenta o seu desgastado ethos antissistema.

Pouco importa que Barroso, agora alvo de difamações da turba digital, tenha sido, desde o começo, uma das principais vozes da Lava Jato no Supremo, por vezes surfando na mesma demonização da política que deu à luz Bolsonaro. Na estratégia do bolsonarismo, Barroso é mero instrumento, e pouco importam o seu histórico e os seus atributos pessoais.

A política de Bolsonaro opera por meio de símbolos, de modo que, quando acusa fraude nas urnas, uma simples checagem de fatos é incapaz de debelar a sua narrativa. As urnas eletrônicas, nesse sentido, operam como um significante vazio que dá corpo à desconfiança de parte substantiva da população brasileira nas instituições da República.

A aposta no jogo simbólico é, portanto, central para as pretensões de Bolsonaro. O cenário desenhado seria aquele em que uma instituição, o TSE, mover-se-ia para decretar a sua inelegibilidade, meses após outra instituição, o STF, caminhar em sentido contrário para absolver Lula. Desse modo, Bolsonaro contaria com uma poderosa narrativa para sustentar a sua máquina de ruptura, que, no limite, sonha com um confronto armado em ano eleitoral.

Em sucessivas aparições públicas desde que a crise política ganhou proporções inimagináveis com a pandemia de covid-19, o desfecho violento, seja na ameaça a "saques a supermercados", ou mesmo na pregação da desobediência civil contra governadores, tem se mostrado presente na retórica de Bolsonaro, uma marca do seu imaginário político.

Essa é a fantasia que permeia o bolsonarismo hoje. Por isso, como dissemos no ano passado, seria impensável para o presidente chegar a 2022 respeitando as regras do jogo. Para ele, antes a derrota do que a paz social. Nunca foi a vitória que o mobilizou, mas a destruição.

Assim, tal como aquilo que sempre foi — um falso messias político —, Bolsonaro não se furtará de se apresentar como alguém que, vitimizado, reúne forças para, em suposto nome do povo, se vingar de seus algozes. Ao contrário do que diz o ditado, as instituições não estão dando corda para o presidente se enforcar: são elas que se aproximam cada vez mais do cadafalso porque, embora aparentemente acuado, o carrasco conta com uma massa sedenta por sangue.

* Rafael Burgos é jornalista e mestrando em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. É editor da coluna Entendendo Bolsonaro.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.