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PMs evangélicos fomentam bolsonarismo nas redes e quartéis

Polícia Militar de São Paulo - Divulgação
Polícia Militar de São Paulo Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

02/09/2021 23h45

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* Raul Galhardi e Vinícius Rodrigues Vieira

Policiais — principalmente os militares — e evangélicos compõem parte significativa do núcleo duro do bolsonarismo. Isso é um fato notório. Mas o que acontece quando policiais evangélicos trazem a religião para os quartéis das polícias militares? Embora esse movimento exista há quase três décadas, a chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto e suas constantes ameaças golpistas tornam perigosa a mistura entre os "assuntos de César" (neste caso a Segurança Pública) e aqueles de Deus.

Ao longo das últimas duas semanas a coluna buscou contato com duas das mais ativas associações de PMs e militares em geral afiliadas a denominações cristãs evangélicas: a Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo (PMs de Cristo) e a União de Militares Cristãos Evangélicos do Brasil (UMCEB).

Sem resposta, relatamos aqui parte das atividades delas em redes sociais em que fica clara a promoção de ideias político-religiosas em ambientes do Estado. Não se questiona aqui a muito bem-vinda e bastante tradicional assistência religiosa-espiritual à qual militares têm direito, assegurada em lei no caso das Forças Armadas. Chama a atenção, porém, o fato de as capelanias militares — formais ou não — estarem muitas vezes na tênue fronteira entre a fé e o proselitismo religioso-político num espaço público e, portanto, laico.

Fundada em 1992, a Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo (PMs de Cristo) relata, em seu site, atuar em todas as regiões da PM paulista e ter parceria com 500 igrejas evangélicas das mais diversas denominações.

Diferentemente das Forças Armadas, a PM de São Paulo não conta oficialmente entre seus quadros com oficiais capelães, que são remunerados pelo Estado para prover assistência religiosa às tropas. Ainda assim, PMs evangélicos que celebram cultos dentro e nas proximidades das dependências da corporação se denominam "capelães voluntários".

O deputado estadual Coronel Telhada (PP-SP), que faz parte dos PMs de Cristo, relatou à coluna que ela é uma organização muito atuante no âmbito espiritual dentro da corporação, mas que ele, particularmente, entende que a religião é algo muito pessoal e que se atém a ela dentro da igreja, embora defenda o papel da assistência espiritual.

Ele lembra que há também uma "capelania civil" na PM de SP. O posto de oficial capelão foi extinto em 2018, após um escândalo de corrupção envolvendo o padre católico que ocupava o posto, conforme relatado à época pelo UOL.

Telhada afirma, ainda, que a atuação dos evangélicos, especialmente no âmbito da PMs de Cristo, se dá com cultos, materiais de informação, palestras, inclusive em salas de quartéis durante o horário de almoço, e nas proximidades deles, além das sedes da organização.

Em sua página numa rede social, a PMs de Cristo faz posts sobre os mais diversos temas. Em 31 de agosto, ao discorrer sobre o papel do Estado na educação, a associação defende que "a educação em geral, nas diversas áreas do conhecimento deve estar sujeita e submissa aos ideais estabelecidos por Deus", postura apoiada pelo ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro.

Em post anterior na mesma rede, a PMs de Cristo convoca policiais e suas famílias para se mobilizarem em orações pelo país entre os dias 1º e 7 de Setembro, iniciativa do Movimento Pátria Amada, que já promoveu jejuns e sessões religiosas com o intuito de ajudar o presidente Bolsonaro.

Em 23 de agosto, primeiro dia útil após o presidente pedir o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a PMs de Cristo discorreu sobre a postura dos cristãos em relação aos governos.

Em post ilustrado com as bandeiras nacional, do Estado e do município de São Paulo — numa alusão à harmonia de poderes —, a associação faz um alerta com base em trecho da Bíblia, dos Atos dos Apóstolos: "atenção: existe um limite para a obediência do cristão aos governos. Nesse relacionamento, o cidadão deve obedecer a Deus antes que ao homem (Atos 5:29). Isso significa que para estar em linha com o Senhor, os cristãos não podem permitir que uma autoridade, seja ela qual for, suplante a autoridade de Jesus Cristo".

Cristo — humilhado e morto pelas autoridades de seu tempo — disse, segundo Mateus (22:21), "dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". No Brasil atual, não está claro o que pertence a quem. Cabe ressaltar que a PM paulista considera, segundo o artigo 13 de seu regulamento disciplinar, transgressão disciplinar média autorizar, promover ou juntar-se a petições ou manifestações de cunho político-partidário e religioso.

À coluna, o tenente-coronel da reserva da PM paulista Adilson Paes de Souza relatou haver menções bíblicas em várias das monografias produzidas por oficiais que desejam subir na carreira e que para isso precisam fazer cursos e pesquisas. Ele relata, ainda, que a realização de cultos nos quartéis é comum, principalmente por parte de evangélicos, e diz ser radicalmente contra a prática por ferir o Estado laico.

O delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Orlando Zaccone, integrante do movimento Policiais Antifascismo, ressalta que a expansão evangélica é um fenômeno da sociedade e que, portanto, é natural que isso ocorra dentro das polícias. No entanto, pontua que uma eventual restrição à realização de cerimônias religiosas em locais do Estado não pode ser exigida apenas em espaços utilizados pelas forças de segurança.

Zaccone lembra que, na Câmara dos Deputados, são realizados cultos, tal como o que ocorreu em 25 de agosto. Ademais, chama a atenção para o fato de que há crucifixos em tribunais, o que feriria o princípio do Estado laico.

Há indícios de que militares e policiais evangélicos também se aproximam de políticos de esquerda. Em junho, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), recebeu integrantes da UMCEB, que organizará em São Luís, entre os dias 4 e 7 novembro, o 20º Congresso de Militares Cristãos do Brasil.

Ainda que uma proximidade com a oposição ao presidente impeça um alinhamento completo de militares e policiais evangélicos ao bolsonarismo, os riscos à manutenção da laicidade do Estado permanecem.

Isso porque a UMCEB, fundada em 1985, reúne PMs e militares das Forças Armadas e, em sua página na rede, expõe claramente o seu principal objetivo: "a expansão do reino de Deus na terra, dentro das instituições públicas da federação Brasileira".

Em junho de 2020, a união conclamou seus membros a dedicar o mês em orações para o presidente. No post, há um resumo do posicionamento da UMCEB: "Há uma guerra sendo travada, e precisamos ser o suporte Espiritual que o governo precisa". A finalização não poderia ser mais clara: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Nota-se, portanto, uma série de evidências de que a ligação entre religião, especificamente a doutrina cristã evangélica, e forças de segurança pública está não apenas ferindo o princípio garantidor do Estado laico como também tem funcionado como uma frente de apoio ao bolsonarismo dentro das polícias e Forças Armadas. A consequência de tal processo é o fortalecimento de um dos mais caros princípios da ultradireita brasileira: a defesa de uma nação essencialmente cristã e militarizada.

Outro lado

Em nota à coluna, a PM de São Paulo afirma ser "uma Instituição legalista e garantidora dos Direitos Humanos. A presença da Associação PMs de Cristo, ou de qualquer outra associação religiosa nos quartéis, tem o objetivo de proporcionar apoio e acolhimento emocional aos policiais militares que desejarem. Não há qualquer imposição para que os policiais aceitem a visita dos religiosos, nem tampouco que tal visita interfira e prejudique a atividade policial. O espaço é concedido a qualquer entidade religiosa que assim o desejar e que tenha como objetivo proporcionar apoio e acolhimento emocional aos policiais militares que desejarem".

As associações aqui citadas foram procuradas pelos canais disponibilizados por elas na internet, mas não retornaram aos pedidos de entrevista. A coluna está à disposição caso queiram se manifestar.

* Raul Galhardi é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e leciona na FAAP e em cursos MBA da FGV.