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Em crise de identidade, MBL mostra fraqueza na disputa pela terceira via

Manifestantes inflam "pixuleco" de Lula e Bolsonaro na Avenida Paulista - Rafael Giovannini
Manifestantes inflam 'pixuleco' de Lula e Bolsonaro na Avenida Paulista Imagem: Rafael Giovannini

Colunista do UOL

13/09/2021 12h23

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* Rafael Giovannini

Após ter liderado o impeachment de Dilma Rousseff e, em 2018, ter feito parte da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, o MBL (Movimento Brasil Livre) vive uma crise de identidade.

Nos últimos anos, o movimento vem passando por um racha, evidente para todos desde ao menos junho de 2019, quando, em entrevista à Folha, Renan Santos, coordenador nacional do movimento, fez um mea culpa pela polarização exagerada. No âmbito interno, um dos símbolos dessa divisão foi a saída do vereador Fernando Holiday (Novo-SP), que deixou o grupo em janeiro deste ano.

Na disputa pela hegemonia da direita, a corrosão do MBL é evidente: o grupo perdeu para os bolsonaristas suas cores e, agora, o verde-amarelo e a camisa da CBF, que embalaram o movimento em 2015 e 2016, fazem parte da identidade visual bolsonarista. Militarismo, armamentismo, conservadorismo moral e ódio contra as esquerdas são discursos associados a Bolsonaro que também fizeram parte do MBL nas eleições de 2018.

Na manifestação do último domingo (12), convocada por MBL e Vem Pra Rua, predominaram a cor branca e a defesa da democracia. Já as pautas que, historicamente, o movimento encabeçava ficaram de lado. Sem reformas estruturantes, sem enxugamento do Estado — Paulo Guedes, antes convidado de honra do Congresso do MBL, foi vaiado e ofendido pelos manifestantes no carro de som da Avenida Paulista.

Inimigos que o MBL jurou varrer da política, a exemplo de UNE (União Nacional dos Estudantes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Ciro Gomes e Orlando Silva, dividiram microfone com os liberais de direita em frente ao Masp. Os progressistas que se somaram ao ato defenderam o direito de discordar e celebraram a união dos grupos antagônicos como sinal de força da manifestação e de fraqueza do bolsonarismo.

No último domingo, os tempos em que Ciro e MBL trocaram processos, parlamentares do movimento eram entusiastas da CPI da UNE e o comunista Orlando Silva era o "inimigo vermelho pelego do PCdoB" ficaram no passado. Políticos próximos ao grupo também tiveram seu espaço no carro de som. O governador de São Paulo João Doria (PSDB) segurou o microfone para reafirmar a necessidade de democracia. Mandetta, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, contou absurdos do seu ex-chefe na condução da pandemia. Nomes que tentam ser a "terceira via" subiram nos carros de som espalhados pela Paulista.

O antipetismo ainda não foi superado pelo MBL, e segue a maior palavra de ordem da manifestação: "Nem Lula, nem Bolsonaro" e "Bolso-Lula" eram expressões visíveis em muitos cartazes e entoadas pelos manifestantes. Segundo essa visão, Bolsonaro e Lula igualam-se pelo seu "populismo", os dois operam na política para agradar as suas bases e defender interesses escusos. Ambos abraçados como um só, um ladrão e o outro insano. Esta é a forma que esses grupos encontraram para organizar o discurso e passar por cima da contradição de ter feito parte do bolsonarismo.

Sem a mesma capacidade de mobilização da época do "Fora, Dilma", as dificuldades de adesão a este novo MBL são visíveis, e o fracasso dos atos de ontem é uma clara demonstração disso. Para viabilizar a manifestação, o movimento precisou da ajuda de outras forças políticas, que até então eram seus adversários, e, mesmo assim, foi incapaz de fazer sombra ao seu passado de milhões nas ruas. Uma outra realidade: para ocupar um quarteirão em 2021, precisam dividir espaço com bandeiras de Leonel Brizola e da Força Sindical — causando calafrios nos discípulos de Mises.

O antagonismo ao "Bolso-Lula" é a chave-comum a todos que estão na terceira via, e nenhum dos atores políticos foi e é capaz de estabelecer a hegemonia deste campo. Não há candidato claro ou discurso único, mas uma multiplicidade de discursos que buscam derrotar tanto Lula quanto Bolsonaro.

Ambos são vistos como corruptos, duas figuras que teriam levado o Brasil ao desastre econômico, dois líderes populistas que querem dominar o país. O populismo como entendido por Ernesto Laclau — criar uma rede de equivalências capaz de unir amplos e distintos setores da sociedade — é, precisamente, o que falta para o MBL e para a "terceira via".

A manifestação não foi capaz de mobilizar o mesmo contingente que os atos do dia 7 mobilizaram — esquerda e bolsonarismo. Lula e Bolsonaro não são a mesma coisa, mas manifestações de antagonismos claros e latentes da sociedade brasileira, que tomaram as ruas pós-Junho de 2013 e se chocam desde então.

Igualar Lula a Bolsonaro é uma tentativa de superar este antagonismo, mas o MBL, que tanto inflou o ódio e que aderiu ao discurso bolsonarista mais radical, mostrou não ter legitimidade para mobilizar o "Fora Bolsonaro" e defender a democracia. O movimento está em crise de identidade, perdeu seu espaço na direita e não encontra força para disputar pautas da esquerda.

Se o antagonismo Lula-Bolsonaro não for desfeito, seja pelo impeachment, seja pela capacidade de mobilização da "terceira via", certamente teremos um segundo turno eleitoral entre ambas as figuras. Nesse cenário, a promessa de moderação e mudança do Movimento Brasil Livre será posta à prova. Para isso, será preciso debelar o antipetismo, que segue latente, não só no MBL, mas em toda a direita arrependida, para não corrermos o risco de, outra vez, chancelarmos a barbárie.

* Rafael Giovannini é formado em Publicidade e Propaganda pela ESPM, Pesquisa a extrema direita brasileira e é mestrando em Comunicação e Semiótica na PUC-SP.