Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Precisamos falar de Lula na Europa e a omissão de parte da imprensa
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
* Cesar Calejon
A ausência de cobertura midiática, sobretudo por parte das concessionárias de rádio e tv, quanto à visita do ex-presidente Lula à Europa é um sintoma evidente de que boa parte das forças que promoveram, direta ou indiretamente, a ascensão do bolsonarismo em 2018 deverão seguir na mesma direção tendo em vista as eleições presidenciais do ano que vem.
Ao longo dos últimos dias, Lula reuniu-se com lideranças políticas de toda a Europa. Nesta terça (17), foi recebido no Palácio do Eliseu pelo presidente francês Emmanuel Macron. Já em Bruxelas, em encontro anterior, debateu a superação do neoliberalismo com Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia, e a atual emergência climática com Josep Borrell, alto representante da União Europeia para Relações Exteriores.
Por que razão os principais veículos que detêm a concessão pública de rádio e TV simplesmente omitiram ou noticiaram esses eventos de forma tímida? A pergunta é retórica, porque, de fato, é notório o motivo pelo qual a direita liberal, que controla essas mídias quase unissonamente, não destaca as ações de Lula nos principais palcos políticos do mundo.
Evidentemente, assim como fizeram entre 2013 e 2018 (mais enfaticamente, pelo menos), esses grupos empresariais e de comunicação tentarão desidratar a campanha de Lula ao Planalto para enfatizar o nome da centro-direita, ainda a ser definido nesta ocasião. A quase candidatura de Luciano Huck em 2018, por exemplo, é um excelente estudo de caso para compreender, na prática, como os principais veículos de comunicação e grupos econômicos do Brasil podem se tornar extremamente coesos quando possuem interesses em comum.
No dia 21 de novembro de 2017, a revista Época publicou a seguinte manchete: "Huck aparece em guia eleitoral do (banco) Itaú como possível candidato ao Planalto." O texto ressalta, ainda, que o então "governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito de São Paulo (naquela época), João Doria, aparecem como possíveis candidatos do PSDB ao Planalto em um guia eleitoral de 2018, produzido pelo Itaú Unibanco para investidores estrangeiros. Quem também está lá como postulante — não entre os tucanos — é o apresentador de TV Luciano Huck. 'Celebridade cujos episódios de seu programa alcançam audiência de 18 milhões de pessoas', diz o relatório".
Apenas 48 horas depois, no dia 23 de novembro de 2017, o jornal O Estado de São Paulo utilizou um instituto de pesquisa do próprio veículo, o Barômetro Político Estadão-Ipsos, para afirmar em suas páginas: "Aprovação a Huck cresce 17 pontos, afirma Ipsos." No mesmo dia, apenas alguns minutos mais tarde, vários dos principais veículos de comunicação do Brasil reproduziram a "notícia", aparentemente sem a necessidade ou a intenção de verificar a veracidade dos fatos.
Às 10h43, o jornal Valor Econômico garantiu: "Pesquisa mostra Huck como presidenciável mais bem avaliado." O texto reproduziu com fidelidade o que disse a matéria do Estadão, enfatizando que "o apresentador de TV e empresário Luciano Huck (sem partido) é o nome com melhor avaliação entre 23 possíveis candidatos à Presidência da República. Pesquisa do instituto Ipsos publicada pelo jornal 'O Estado de S. Paulo' desta quinta-feira (23) mostra que a aprovação de Huck cresceu 17 pontos de setembro até agora, passando de 43% para 60%".
A revista Exame seguiu a mesma linha: "Aprovação de Luciano Huck dispara e atinge 60% — Instituto Barômetro Político Estadão — Ipsos", e a revista Isto É foi ainda mais longe, com o título "O fenômeno Huck". Somente três dias após todas essas publicações, o próprio Luciano Huck, por meio de um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, no dia 27 de novembro de 2017, fez a sua parte ao dizer que, apesar de todo o clamor popular, não era candidato à corrida presidencial.
No dia 15 de fevereiro de 2018, por fim, Huck desistiu da candidatura que havia anunciado não existir algumas semanas antes.
Quase que por osmose e por conta de algumas inclinações ideológicas muito semelhantes, basicamente todos os principais veículos de comunicação do Brasil (telejornais, revistas, sites e jornais impressos) alinharam-se de forma uníssona, considerando determinadas narrativas, como a tentativa de emplacar um candidato próprio e o constante ataque à imagem de Lula (e do PT), mais enfaticamente a partir de 2013, explorando a eventual prisão do ex-presidente como um espetáculo de dramaturgia.
Entre agosto de 2016 (data do impedimento de Dilma Rousseff) e outubro de 2018 (eleições), somente a Veja, por exemplo, possivelmente uma das revistas mais influentes do Brasil nesta época, publicou 48 capas que, de alguma maneira (direta ou indiretamente), caracterizavam o ex-presidente Lula como o chefe de uma quadrilha criminosa (PT) que assaltou o Brasil, e a Operação Lava Jato, comandada pelo ex-juiz Sérgio Moro, como a solução para o problema da corrupção.
Somente em 2017, ano pré-eleitoral, foram 28 capas aludindo à mesma narrativa, o que representa uma média superior a uma capa a cada duas semanas. Durante o ano inteiro. Já a revista Isto É, entre o impedimento de Dilma e as eleições de outubro de 2018, publicou 55 capas semanais avançando esta mesma agenda, o que também representa uma média superior a uma capa publicada a cada duas semanas.
A revista Época publicou 31 capas esboçando este raciocínio e a Exame deu pelo menos nove capas com esta mensagem neste mesmo período. A edição de número 1.125 da revista Exame, publicada no dia 9 de novembro de 2016, pouco mais de dois meses após o impedimento de Dilma Rousseff e queda do PT, estampou a pergunta "Os Bons tempos voltaram?" em sua capa, com balões de festa ao fundo.
Fácil entender o motivo que leva boa parte da grande imprensa a ignorar a visita à Europa do político que lidera, segundo diferentes pesquisas realizadas por múltiplos institutos, as intenções de voto à chefia do Executivo nas eleições do ano que vem. Difícil é tolerar a ascensão do que vem em seguida de acordo com essa lógica.
* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.