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Encontro de Bolsonaro com Biden pode ser tiro pela culatra

Presidente Jair Bolsonaro (PL) - Isac Nóbrega/PR
Presidente Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

09/06/2022 10h52

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* Cesar Calejon

Existe uma diferença fundamental entre a atuação de um presidente populista e a de um chefe de estado legítimo. Enquanto o primeiro defende os seus objetivos pessoais em detrimento da Constituição, o segundo atua com base na ética da responsabilidade, que faz prevalecer o interesse público sobre as suas convicções e interesses mais próximos.

Responsabilidade nunca foi um ponto forte de Jair Bolsonaro, que, ao perceber o crescimento de Lula durante as últimas semanas e a possibilidade de sequer ir ao segundo turno nas eleições de outubro, está cada vez mais desesperado e utiliza o encontro de hoje (9) com o presidente estadunidense Joe Biden, na Cúpula das Américas, para tentar reagir de alguma forma. O tiro, contudo, pode sair pela culatra.

O desespero crescente de Bolsonaro pode ser compreendido por meio de uma metáfora simples: de muitas maneiras, as dinâmicas do organismo social podem ser comparadas ao funcionamento do organismo biológico. Quando uma substância é ministrada de forma reiterada, o corpo humano desenvolve mecanismos que aumentam a sua resistência e reduzem a eficácia do agente, tais como antibióticos ou outras drogas, por exemplo.

Com a vida sociopolítica, acontece o mesmo. Ao serem excessivamente utilizadas, as mesmas estratégias e narrativas tendem a se tornar inócuas, porque o tecido social desenvolve "anticorpos" contra essas abordagens. Neste sentido, as ameaças, o ódio e as notícias falsas que vêm sendo cansativamente usadas pelo bolsonarismo ao longo dos últimos anos já não surtem o mesmo efeito.

Pode-se dizer que a sociedade brasileira criou resistência ao governo Bolsonaro e que o presidente brasileiro utiliza a reunião de hoje para tentar reverter parte deste processo.

Exatamente por este motivo, o encontro com Biden foi uma pré-condição para que Bolsonaro comparecesse à Cúpula das Américas. No jogo pragmático da diplomacia internacional, Biden utiliza o encontro de hoje no sentido de acessar o peso do Brasil junto à sociedade internacional. Já Bolsonaro usa o respaldo que uma reunião com o presidente estadunidense pode eventualmente lhe atribuir no âmbito doméstico, de olho em evitar uma derrota já no primeiro turno.

Porém, os planos do presidente brasileiro podem ser frustrados, dependendo da postura que Biden adotar e do que for dito, efetivamente. Muitos grupos pressionam para que ele "puxe a orelha" de Bolsonaro, alertando que o ex-capitão deve respeitar a democracia. Existem ainda outros possíveis pontos de atrito, sobretudo, na seara ambiental e considerando o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, que repercutiu em toda a mídia internacional durante esta semana.

Além disso, as tensões entre Biden e Bolsonaro não param nestes pontos. Desde a eleição do presidente estadunidense, Bolsonaro, que é um admirador explícito do ex-presidente Donald Trump, reforçou falsas alegações de fraude nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e chegou a fazer alusões insinuando que Biden seria um presidente ilegítimo. Naturalmente, essa postura criou uma enorme animosidade com Washington e esfriou as relações entre Brasil e Estados Unidos aos longos dos últimos dezoito meses.

Após Bolsonaro afirmar, esta semana, que tem um "pé atrás" considerando o pleito do qual Trump saiu derrotado, a embaixada dos Estados Unidos no Brasil emitiu, imediatamente, uma nota para reforçar que "as eleições são a expressão mais visível de uma democracia, e os Estados Unidos têm orgulho da longa história de eleições livres, justas e confiáveis que passam por um processo minucioso e resistem ao desafio do tempo".

Ou seja, agora, Bolsonaro não possui um aliado do outro lado da mesa, mas sim um desafeto que enxerga a sua presença no evento como um mal necessário. Resta saber o quão cordial (ou agressivo) Biden será no trato e quanto o presidente brasileiro será hábil para capitalizar o encontro de acordo com os seus interesses eleitoreiros.

De qualquer maneira, neste contexto, apesar da fachada diplomática que aponta para a discussão de temas variados nas searas política, econômica e ambiental, Bolsonaro vai aos Estados Unidos para tentar defender, única e exclusivamente, a sua candidatura à reeleição.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).