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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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Bolsonaro coloca sistema político em uma encruzilhada

Jair Bolsonaro acompanha fala do governador reeleito do DF, Ibaneis Rocha (MDB), no Palácio da Alvorada - WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Jair Bolsonaro acompanha fala do governador reeleito do DF, Ibaneis Rocha (MDB), no Palácio da Alvorada Imagem: WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

05/10/2022 19h35

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* Warley Alves Gomes

O segundo turno da corrida presidencial começou quente e as disputas por apoio de ambos os lados do espectro político não se fez esperar. Enquanto o PDT e a senadora Simone Tebet se aproximam do ex-presidente Lula, outros políticos como Sergio Moro (União Brasil), Romeu Zema (Novo) e Rodrigo Garcia (PSDB) fecharam acordo com Bolsonaro. Outros, como João Doria (PSDB), preferiram declarar o voto nulo.

Sabe-se que o jogo político é complexo, e que nele a moral muitas vezes serve mais como artigo de perfumaria que como princípio ético. As três posturas, portanto, apresentam relações diferentes com o "bem público", compreendendo-o aqui como um conjunto de valores republicanos que vai além da economia, abrangendo também o direito a uma vida digna, com liberdade, bem-estar, saúde e segurança pública.

No primeiro campo, dos que declararam apoio a Lula, o que se observa é uma preocupação com a estabilidade do sistema democrático e com as garantias individuais. Eles não ignoram problemas relacionados aos governos anteriores do PT, como a corrupção, ou mesmo as práticas políticas perpetradas pelo partido do ex-presidente, como as constantes campanhas difamatórias a ex-aliados — algo que vem cobrando um preço alto ao partido nas últimas eleições. No entanto, consideram que estas são questões menores quando se compara a ameaça à democracia.

Já nas adesões a Bolsonaro, vemos o contrário: no balanço final, a democracia conta menos que os valores, as ideologias, ou os interesses particulares. Prevalecem a concordância tácita com o autoritarismo do presidente e a subestimação da capacidade do mesmo em avançar em seu projeto autoritário.

A primeira probabilidade indica uma identificação direta com Jair Bolsonaro, mesmo que esta se apresente fantasiada de certa civilidade, como é o caso do governador de Minas Gerais, Romeu Zema. A segunda probabilidade é mais nebulosa, e nela aqueles que apoiam Bolsonaro coincidem com os que defendem o voto nulo — um forte componente de nossa cultura política que consiste em minimizar grandes ameaças à ordem das coisas.

Como mostram os resultados da corrida legislativa, caso eleito, Jair Bolsonaro terá forças para aprofundar seu projeto autoritário. A fórmula das novas autocracias é conhecida e o atual presidente a segue à risca, o que significa que, consolidado o avanço no sistema democrático, passa-se a corroê-lo por dentro, até que este se descaracterize a tal ponto que a democracia se torna pouco mais que um simulacro. É o que se vê em países como Hungria, Turquia, Rússia e Venezuela, para citar alguns exemplos.

Nessa lógica, cinco elementos são básicos: a exacerbação de um nacionalismo populista; o ataque à imprensa livre; a preponderância do poder Executivo sobre os outros poderes; a repressão à oposição; e, finalmente, um controle do sistema eleitoral, visando a permanência no poder.

Em seu primeiro mandato, o presidente apresentou claramente os dois primeiros pontos e avançou parcialmente no terceiro. Em um possível segundo mandato, o alvo de Bolsonaro será o STF, já declarado como inimigo. A lógica aqui é simples: se reeleito, Bolsonaro indicará mais dois ministros e, com o apoio do Senado, poderá conseguir o impeachment dos atuais ocupantes do Judiciário.

Os políticos que declaram neutralidade diante da ameaça ao sistema democrático não levam em conta que o que estamos observando é, justamente, a substituição progressiva da direita tradicional pela extrema direita, visto que esta promete mais eficácia e radicalismo em sua atuação. Novamente, perde-se um pouco mais do equilíbrio político.

A disputa do segundo turno expõe a encruzilhada em que Bolsonaro colocou o atual sistema político: de um lado, um moralismo que congrega oportunistas e autoritários e coloca a liberdade e a vida em segundo plano; do outro, a sustentação de uma democracia que, ainda que falha, representa a garantia dos direitos individuais, da vida e, não menos importante, da própria liberdade religiosa.

No meio disso, é preciso refletir se, por trás da suposta isenção dos que se abstêm, não mora a superioridade moral típica de um país que compreende o voto como a bandeira de um time, e não como um exercício concreto de cidadania.

* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.