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Ao apoiarem Bolsonaro, governadores de direita cavam sua cova política

Tarcísio, Bolsonaro e Zema se reuniram nesta quinta-feira (20) com lideranças políticas em São Paulo - Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo
Tarcísio, Bolsonaro e Zema se reuniram nesta quinta-feira (20) com lideranças políticas em São Paulo Imagem: Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

21/10/2022 09h51Atualizada em 24/10/2022 17h00

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* Vinícius Rodrigues Vieira

A pouco mais de uma semana do 2º turno, governadores de dois dos estados mais poderosos da nação demonstram ter aderido com força ao movimento antidemocrático liderado por Jair Bolsonaro. Esta frase poderia abrir um texto sobre a ação dos chefes do Executivo estadual na deflagração do golpe militar de 1964, mas falamos de 2022 — ano de uma nova, e ainda mais grave, ameaça autoritária que se coloca sobre o país.

Causa estranheza que até mesmo analistas políticos experientes justifiquem com base na lógica da sobrevivência política a decisão dos reeleitos Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, e do derrotado Rodrigo Garcia (PSDB), em São Paulo, para não falar de Cláudio Castro (PL), no Rio de Janeiro, que tem se comportado de forma mais tímida na disputa nacional.

Segundo esse raciocínio simplista, os três — em especial Zema — perderiam com o eventual retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto. Isso porque, nesse cenário, estariam supostamente limitados a alçar voos maiores. Por exemplo, reeleito em primeiro turno, o único governador do Novo já é considerado um presidenciável à direita no próximo ciclo eleitoral.

Falta aos governadores e analistas conhecimento histórico. Estamos numa conjuntura em que, para os políticos à direita que ambicionam chegar um dia ao Planalto — não tenho dúvidas de que Castro e Garcia, em privado, emulam Zema nesse objetivo —, mais têm a ganhar com a derrota de Bolsonaro. Isso porque num cenário de não reeleição do atual presidente, a direita — seja ela extremista ou não — teria que começar a buscar, desde o day after das eleições, nomes capazes de enfrentar a esquerda em 2026.

Essa conjuntura se assemelha com a participação direta dos governadores Adhemar de Barros (SP), Carlos Lacerda (Guanabara, UF extinta e correspondente ao município do Rio de Janeiro), e Magalhães Pinto (MG) na remoção inconstitucional de João Goulart do poder. Os três assumiram o papel de vivandeiras dos quartéis com a ambição de se tornarem candidatos à presidência em 1965, quando as eleições presidenciais seguintes deviam ter sido realizadas caso a ditadura não tivesse sido instalada.

Lacerda, tal como Zema agora, era aquele com mais chances e expressava o objetivo explícito de chegar ao Planalto. Acabou, tal como Adhemar, cassado pela ditadura e morreu no ostracismo. Magalhães Pinto, banqueiro, tentou em 1979 ser o candidato da Arena, partido de sustentação ao regime apenas para ser logicamente preterido pelo último dos generais-ditadores, João Figueiredo.

Com Bolsonaro reeleito, o candidato da extrema direita em 2026 tende a ser Tarcísio de Freitas, praticamente eleito governador de São Paulo depois de as forças à esquerda terem cerrado fileiras em torno de Fernando Haddad em vez de apoiarem o ex-governador Márcio França, de perfil mais centrista, capaz de dialogar até mesmo com policiais francamente bolsonaristas.

Talvez o cálculo dos governadores envolva a aposta num Bolsonaro fraco em 2026 caso reeleito agora. Ledo engano. A legitimidade do bolsonarismo não se dá pelo desempenho econômico, mas pela promessa constantemente renovada do retorno a um passado onde o homem branco, hétero (pelo menos nas declarações públicas) volte a ser o referencial incontestável da organização social.

Daí a ideia perigosa defendida pelo presidente de que as minorias devem se curvar à maioria. A experiência histórica ensina que, de tanto que foram forçadas a vergar, minorias acabam sujeitas à negação de seu direito de existência. Se a economia fosse realmente o vetor de força do bolsonarismo, a eleição já teria sido decidida no primeiro turno, pois a performance de Lula nesse quesito foi muito superior.

Assim, Zema — em particular —, mas também Garcia e Castro devem ser podados pelo presidente em voos políticos futuros para assegurar a hegemonia do bolsonarismo à direita. Portanto, caro simpatizante do Partido Novo, supostos liberais na economia e conservadores nos costumes: caso queiram ver Zema um dia no Planalto (talvez com Castro como vice para manter o eleitorado cristão sob rédea curta), é melhor votar em Lula, que terá grandes dificuldades para governar com um congresso de direita e em meio a uma conjuntura internacional com guerras e ameaça de recessão global.

Caso conquiste um terceiro mandato, Lula dificilmente buscará a reeleição. Ademais, o PT deve rachar com os demais partidos de centro-esquerda — não vejo o petismo apoiando uma candidatura de Geraldo Alckmin pelo PSB. O racha será inevitável exceto se a centro-esquerda emular o Chile pós-ditadura e fizer uma concertação de partidos que, independentemente da ideologia, jamais coadunam com o arbítrio.

Sem o golpe, talvez Lacerda tivesse virado presidente considerando a escalada inflacionária que Goulart enfrentava, muito embora Juscelino Kubitschek — outro que apoiou o golpe e foi cassado logo em seguida — pudesse desafiá-lo.

Quando a esperteza é maior que o dono, não apenas ele é engolido. Nos casos citados, a ação de líderes que renunciaram a qualquer princípio republicano visando ganhos futuros foi fatal não apenas para carreiras políticas individuais, mas para a própria democracia e, portanto, a nação.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Não fosse o golpe de 1964, o Brasil teria realizado eleições presidenciais em 1965. A informação foi corrigida

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL