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Crise Climática

OPINIÃO

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Funai perseguiu Bruno Pereira por proteger isolados, dizem indigenistas

Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips - Reprodução/TV Globo
Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips Imagem: Reprodução/TV Globo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/06/2022 11h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta (9) da newsletter Crise Climática. A versão completa, apenas para assinantes, traz uma matéria que mostra que, sem incentivos econômicos, proprietários estão desmatando áreas de regeneração da Mata Atlântica. Para assinar o boletim, clique aqui.

Marcelo Xavier, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), acusou ontem (8) o indigenista Bruno Pereira de ter descumprido a lei em suas atividades no Vale do Javari no momento em que desapareceu. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o presidente do órgão criticou a imprensa por dar destaque ao desaparecimento e acusou o servidor licenciado de não ter autorização para entrar nas Terras Indígenas isoladas e de descumprir medidas sanitárias.

A associação de servidores da Funai, INA (Indigenistas Associados), reagiu com indignação às afirmações do presidente do órgão em nota publicada no Twitter.

"Isso é mentira do Presidente da Funai. Nessa viagem, Bruno e o jornalista Dom Phillips sequer chegaram a ingressar na Terra Indígena Vale do Javari", afirma o indigenista Fábio Ribeiro, coordenador executivo do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato).

"É muito estranha a declaração do Xavier neste momento de comoção e apreensão, mas eu não estou particularmente surpreso, pois durante a pandemia ele já vinha perseguindo e coagindo administrativamente o Bruno e outros servidores", declara Ribeiro, que atuou por anos na Funai e decidiu se exonerar do órgão no começo deste ano.

O Vale do Javari é a região do mundo com a maior quantidade de povos isolados ou de recente contato. Segundo indigenistas ouvidos por esta coluna, Pereira conhecia bem aquele território, tinha um sítio na cidade de Atalaia do Norte e fazia um trajeto relativamente curto perto dali na companhia do célebre jornalista inglês Dom Phillips no momento em que desapareceu.

Quando foi exonerado da CGIIRC (Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados), Pereira pediu licença para não se afastar da atividade a que vem se dedicando há anos: proteger os povos isolados. "O Bruno é um dos maiores especialistas da atualidade em indígenas isolados e de recente contato, fazia um trabalho de excelência na CGIIRC, tanto que foi afastado de lá", afirma o indigenista Leonardo Lenin, membro do OPI.

Pereira foi removido de seu cargo após uma operação contra o garimpo ilegal no Javari. Além da exoneração, o episódio foi seguido de um aumento das ameaças de morte contra ele. Na mesma época, Maxciel Pereira dos Santos, o colaborador da Funai que monitorava uma das bases do Javari, foi assassinado, e o crime segue sem esclarecimento.

As três bases de vigilância do Javari estão em situação precária. Uma determinação judicial obriga a Funai a fazer a restruturação delas e abrir novas bases, mas a ordem segue sendo ignorada.

Segundo os indigenistas, as atividades criminosas naquela parte da Amazônia atuam em sinergia, principalmente o tráfico de drogas, a pesca predatória de pirarucu e o contrabando de madeira. "Essas atividades ilegais foram diretamente beneficiadas pelo enfraquecimento da presença do poder público no local", diz Lenin.

Com isso, os próprios indígenas passaram a conduzir ações de proteção na região por meio da Univaja (União das Organizações Indígenas do Vale do Javari). É ela que está, por exemplo, na linha de frente das buscas pelos desaparecidos desde segunda-feira (6). Ao se licenciar, Bruno passou a trabalhar para a Univaja na proteção dos indígenas isolados.

Ribeiro ressalta que a atual gestão da Funai tenta criminalizar a Univaja e outras organizações e lideranças indígenas no Brasil. "O presidente da Funai já foi investigado por associação a invasões de Terras Indígenas no Mato Grosso e, desde que assumiu o órgão, vem tentando destruir a política indigenista do país em favor de interesses da bancada ruralista."

Na mesma linha, Lenin afirma que a atual política indigenista da Funai é "assimilacionista", isto é, busca colonizar o modo de vida indígena para que se torne semelhante ao estilo de vida dos não indígenas. Essa política remonta ao período militar e visa a tomada das terras desses povos.

Ele afirma que ruralistas, militares, missionários evangélicos e a bancada da mineração estão entre os maiores defensores públicos dessa abordagem e estão influenciando a nomeação de dirigentes do órgão. Além das terras indígenas no Javari, os territórios Yanomami (RR), Piripkura (MT), Araribóia (MA), Ituna-Itatá (PA), Jacareúba-Katawixi (AM), Mamoriá Grande (AM), Kawahiva do Rio Pardo (MT) estão entre os mais assediados atualmente.

Procurada, a Funai não respondeu até o fechamento desta edição. Na manhã de ontem, um suspeito de ter envolvimento com o desaparecimento foi detido pela polícia do Amazonas. Segundo os indigenistas ouvidos pela coluna, as ameaças à Pereira eram de conhecimento das autoridades e só passaram a ser investigadas agora.

E o que mais você precisa saber

subsídio combustíveis fósseis - Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil - Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Rodrigo Pacheco, Jair Bolsonaro, Arthur Lira, Ciro Nogueira e Paulo Guedes em anúncio de medidas para reduzir preço dos combustíveis
Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Queimando dinheiro

A privatização da Eletrobras deve injetar cerca de R$ 25 bilhões no orçamento federal este ano. Esta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que o recurso será usado para custear um plano de subsídios aos combustíveis fósseis por um período de apenas seis meses no valor estimado de R$ 48,6 bilhões. Se aprovado, este será um novo salto numa conta já alta: os subsídios aos combustíveis fósseis totais no Brasil vinham sendo estimados em R$ 100 bilhões ao ano. Para se ter uma ideia de quanto dinheiro extra o país queimará tentando baixar na marra o preço dos combustíveis, a verba destinada à prevenção de desastres naturais é de R$ 447,9 milhões, 32% menor do que em 2021, e o orçamento do Meio Ambiente em 2022 é de aproximadamente R$ 3 bilhões.

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Poluição
Imagem: Getty Imagens

Você conhece?

A Rádio Novelo acaba de lançar Tempo Quente, um novo podcast focado em mudanças climáticas e que traz na primeira edição os bastidores do lobby do carvão no Brasil, atividade concentrada nos estados do sul do país. O carvão mineral é a forma mais poluente e ineficiente de produzir eletricidade, e todas as autoridades científicas dedicadas a frear a crise climática apontam a necessidade de extinguir seu uso o quanto antes. O Brasil, que tem potencial incomparável para renováveis, criou uma política de incentivo ao carvão sob Bolsonaro, incluindo uma tentativa de batizar o combustível de "carvão sustentável", uma contradição em termos. O podcast é um projeto da jornalista Giovana Girardi, uma das mais experientes do país na cobertura de temas climáticos e científicos.

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Arthur Lira e Rodrigo Pacheco
Imagem: Reprodução

Estouro das boiadas

O PL da Caça (PL 5544/2020) foi retirado da pauta de votação da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara, mas ambientalistas continuam apreensivos com o que promete ser uma semana do meio ambiente às avessas no Congresso. A apreensão é tão grande que todos os ex-ministros do meio ambiente emitiram uma mensagem conjunta a Rodrigo Pacheco cobrando a promessa de levar temas ambientais para todas as comissões pertinentes do Senado antes da votação. O PL do Veneno (PL 1459/2022), por exemplo, só foi enviado à comissão de agricultura, setor mais interessado na aprovação irrestrita de agrotóxicos. A lista de boiadas que podem avançar nos próximos dias inclui o fim do licenciamento ambiental e a liberação do roubo de terras públicas, a chamada grilagem.

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