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Por que precisamos de mais mulheres na gestão pública?

mulheres luta 8 de março política - iStock
mulheres luta 8 de março política Imagem: iStock

Colunista do UOL

08/04/2022 10h37

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Iara Alves e Elizabeth Sousa Cagliari Hernandes*

A capacidade das mulheres apresentarem bons resultados na vida pública é visível. Estudo recente mostrou que municípios governados por mulheres tiveram menores taxas de hospitalização e óbito na pandemia de covid-19. As prefeitas demonstraram maior capacidade de implementar medidas de prevenção. No entanto, ainda poucas mulheres atuam como prefeitas, governadoras, ministras, secretárias nacionais e presidentes de empresas públicas.

Mesmo após conquistas feministas de direitos constitucionais de igualdade entre homens e mulheres, situações cotidianas de discriminação, como assédio moral e sexual e estereótipos de gênero, assim como a sobrecarga entre cuidados domésticos e carreiras, dificultam a participação das mulheres nas organizações.

Mulheres na burocracia federal

As mulheres representam 41,4% da força de trabalho nas carreiras federais. Entretanto, a situação de "igualdade" proporcionada pelo concurso público diminui na medida que as mulheres têm menos oportunidades de acesso a cargos de confiança. Pesquisa de 2018 revela que as posições mais altas na hierarquia burocrática no Brasil são ocupadas por homens. As mulheres estão em posições técnicas de menor poder, subordinadas a homens. Nos cargos de primeiro escalão da burocracia, como de secretárias nacionais e presidentes de fundações e autarquias, as mulheres eram apenas 16,2%. Entre diretores e assessores especiais, os homens eram 75,3%.

A estrutura de autoridade masculina e de pele branca no setor público reforça a imagem de superioridade do homem branco, que caracteriza a desigualdade de gênero. Homens decidem quanto, quando, para quem e para onde haverá alocações orçamentárias.

Onde estão as mulheres no serviço público?

A divisão sexual do trabalho, que destinou tarefas de cuidado às mulheres e de poder e controle financeiro aos homens, também é percebida no serviço público. Áreas consideradas estratégicas, como planejamento, fazenda, infraestrutura, relações internacionais, comércio exterior, trabalho e defesa são comandadas por homens brancos. As mulheres são maioria nas áreas sociais, como assistência social, educação e saúde. Ressalta-se que mesmo com a presença massiva de servidoras públicas qualificadas nas áreas sociais, os homens ainda dominam os cargos de alta gestão.

A explicação para o fato de as mulheres estarem mais presentes nas áreas sociais não está em conceitos essencialistas com foco na "natureza" cuidadora e maternal da mulher. Historicamente, a construção do imaginário social levou as mulheres a ocupações relacionadas ao cuidado. E, por serem áreas de trabalho consideradas "femininas", o sistema patriarcal construiu e legitimou o entendimento de que não são estratégicas e, portanto, têm menores remuneração e poder.

A remuneração é indicador clássico de desigualdade entre homens e mulheres. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD - C), analisada pelo DIEESE, mostra que as brasileiras não negras recebem cerca de 86% do rendimento médio mensal dos homens de mesma cor. Quando se comparam homens brancos e mulheres negras, o rendimento delas é 55% do rendimento deles.

Gráfico 1 - Proporção dos rendimentos de homens e mulheres negros e mulheres não negras em relação ao rendimento do homem não negro - Brasil - 3º trimestre de 2021 (em %)

Fonte: Dieese (2022) (4)

Mulheres e representatividade

Sendo minoria nos altos cargos, as mulheres têm menos chances de modificar o comportamento da administração pública. Ao estarem em maior número, homens adotam estratégias sexistas para comunicar que mulheres não pertencem àquele espaço: interrompem suas falas (manterrupting), tomam crédito por suas ideias (bropriating), explicam a elas o tema de sua especialidade profissional ou acadêmica (mansplainning), e tentam confundi-las, afirmando que elas disseram ou fizeram coisas que elas não fizeram ou disseram (gaslightining). Outra forma de impactar na confiança da mulher no trabalho é o assédio sexual, problema subnotificado e não tratado no setor público.

A presença paritária de mulheres em cargos de alta gestão é essencial para a formação de massa crítica no serviço público com o fim de mudar comportamentos e possibilitar que servidoras representem os interesses e as perspectivas das mulheres.

A necessidade de mais mulheres nos espaços de decisão não se sustenta em argumentos de empoderamento individual. Está associada à conscientização do empoderamento coletivo de todas as mulheres, para mudar as estruturas sociais que as subjugam aos homens.

Mulheres trazem novas perspectivas à administração pública

A maior presença de mulheres em carreiras estratégicas da burocracia federal tem mudado o modo de pensar as políticas públicas. Servidoras têm promovido amplo debate para dar visibilidade aos gastos do setor público com perspectiva de gênero e raça como instrumento fundamental para o enfrentamento das desigualdades estruturais entre homens e mulheres no país e desenvolvido instrumentos de gestão de políticas voltados às mulheres. Servidoras federais publicaram, em 2020, pesquisas que registram o impacto da covid-19 para as mulheres no Brasil, trazendo evidências para a produção de políticas públicas para lidar com os efeitos sociais da pandemia para as mulheres em temas como: exploração de trabalhadoras domésticas; violência doméstica; dupla carga de trabalho; sobrecarga das mulheres trabalhadoras da saúde; retrocesso no mercado de trabalho, entre outras.

A importância da diversidade de gênero e raça em carreiras estratégicas e na ocupação de cargos de confiança na administração pública está no fato de que o serviço público é composto por pessoas. A qualidade da entrega de resultados depende de quem elabora, executa e avalia a política pública. Para que a burocracia cumpra seu papel democrático de responder às demandas de todos os segmentos da população, a composição do serviço público deve representar homens e mulheres de todas as raças, cores e etnias.

A literatura sobre burocracia representativa demonstra que a maior presença de mulheres na gestão pública aumenta a percepção de confiança da população feminina no setor público, além de contribuir para que as demandas e preferências delas sejam consideradas nas decisões sobre recursos.

Alterar o perfil branco e masculino dos tomadores de decisão é fundamental para reverter estigmas racistas e sexistas nas organizações governamentais brasileiras. Mais mulheres são necessárias, não só no parlamento e nos tribunais, mas também na gestão pública, em cargos com poder de decisão para impactar a sociedade.

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Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.

*Iara Alves, doutoranda em estudos sobre a mulher, gênero e feminismos (UFBA), e Elizabeth Sousa Cagliari Hernandes, doutora em Saúde Pública (USP), são membros da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG).