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Como construir a difícil transição de Bolsonaro para Lula
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Luna Bouzada Flores Viana*
Frederico de Morais Andrade Coutinho**
Cooperação, que caracterizou transições governamentais no período democrático, é dúvida em tempos de polarização.
Encerradas as eleições gerais de 2022 é hora de se falar na transição de governo. Dado o calor político das últimas semanas, tudo indica que estaremos frente a uma transição difícil, em que a governabilidade para os próximos anos depende de estratégias de gestão de agendas e parcerias. Ainda mais considerando-se a demora do atual Presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a sua derrota, e manifestações de alguns de seus apoiadores, como os bloqueios de algumas das principais rodovias nacionais por movimentos de caminhoneiros.
Transições cooperativas são marcadas pela cordialidade, transparência, e até mesmo trabalho conjunto entre as equipes que saem e as equipes que entram. Republicanamente o governo que está de saída segue o disposto na Lei 10.609/2002, disponibilizando algumas dezenas de cargos em comissão para a equipe de transição do novo governo eleito. Abre-se espaço físico para que essa equipe possa trabalhar. Concede-se acesso a sistemas de informação e relatórios das mais diversas políticas públicas. Também é disponibilizada a agenda dos atuais dirigentes públicos para atendimento à nova equipe. Assim, respeitosamente, um governo passa o bastão ao próximo.
Transições de governo adversariais, ao contrário, são marcadas pela ausência de informações e de diálogo. O governo eleito corre o risco de trabalhar no escuro até a posse, para daí sim iniciar um processo penoso de se assenhorar do atual estado da administração. Casos anedóticos ilustram cenários limite em que governantes saem e deixam as estruturas "limpas", computadores e arquivos "somem", servidores não se disponibilizam a colaborar e ficam receosos de retaliações, e até mesmo, acontecem casos extremos de depredação de patrimônio público. Mas há formas de se mitigar os malefícios de uma transição adversarial.
Em primeiro lugar, a equipe de campanha não é a equipe de transição de governo. A primeira ganha as eleições, a segunda vai preparar o terreno para o futuro governo. Ainda que possa e deva haver coincidências entre membros dessas equipes, elas não se confundem, pois possuem propósitos distintos. A equipe de transição é um embrião do futuro Centro de Governo, e precisará fazer a coordenação político/legislativa, a coordenação de informações sobre políticas públicas, e a gestão da comunicação. Na virada do ano essa equipe também passa a agregar a gestão estratégica dos programas governamentais e seu monitoramento.
Numa transição adversarial, o governante eleito e sua equipe precisarão contar especialmente com algumas forças, tais como o parlamento, o judiciário, a burocracia, os movimentos sociais e a mídia. Deverá haver inteligência para saber quando utilizar cada carta desse baralho.
A relação com os representantes atuais e reeleitos das casas legislativas precisa se estabelecer desde que declarado o resultado. É preciso, em especial, articular as medidas a serem tomadas com as pautas bombas legadas do mandato do antecessor. No contexto atual, deverá haver consciência sobre os meios para o reinício do diálogo político em bases distintas do seu antecessor. O custo de governabilidade encontra-se muito alto, o novo Congresso tende a ser pouco cooperativo e os estados serão as trincheiras para forte oposição.
No presidencialismo de coalizão será preciso incluir os parlamentares na discussão de estrutura e programas, chamá-los para eventos públicos, dar visibilidade, e comprometê-los com as pautas chanceladas eleitoralmente. É importante, ainda, definir algumas medidas legislativas que pautarão os primeiros meses do mandato para que já sejam trabalhadas nesse período anterior, de transição.
É essencial utilizar os meses de novembro e dezembro para articular as propostas, quem é quem, os objetivos a serem perseguidos nos primeiros cem dias. Caso o governo eleito se perca nas urgências, nas disputas internas e na posição reativa para dar respostas a fragilidades e erros, a situação de divisão do país poderá gerar um impasse político.
Para além de questões de humores políticos, o Brasil possui institucionalidades que podem contribuir para melhoria da qualidade de vida das pessoas, para relações mais harmoniosas com o meio ambiente e a expansão da estrutura econômica.
A burocracia de carreira, quadro estável de servidores públicos, é uma das institucionalidades que pode contribuir para o acesso às informações, articulação e estruturação de políticas públicas. Respeito e escuta são fundamentais. O personograma, mais conhecido como "quem é quem" dos Ministérios, deve estar na mão da equipe de transição. As áreas de gestão dos ministérios devem ser objeto de cuidado especial, uma vez que uma debandada geral pode tornar a máquina ingovernável por algum tempo, prejudicando os preciosos primeiros meses de governo. Identificar lideranças nesses grupos de servidores é importante para reduzir ruídos e riscos de animosidade, e ainda ganhar tempo no acúmulo de conhecimento que será necessário para fazer a máquina girar no ano seguinte. Observar a curva de aprendizado é importante, pois neófitos isolados na administração pública podem se perder no cipoal burocrático.
Os movimentos sociais, representantes da sociedade civil das mais diversas áreas, precisam continuar mobilizados. E isso significa manter uma escuta ativa, fazer compromissos, abrir espaços. É preciso manter acesa a mobilização que garantiu a eleição para que ela continue visível, legitimando o novo governo e assim reduzindo os custos de negociação com os outros atores.
O governo eleito precisará, desde o período de transição, assumir a pauta da comunicação como prioritária. A mídia estará inteiramente voltada para as novas propostas, os rumos e a visão de futuro. A equipe responsável por esse tema precisa ser proativa, calibrando anúncios positivos e indicações para Ministérios com apelo popular, com os percalços e desconstruções que estão sendo encontrados. É preciso estabelecer uma distinção clara entre o presente e o que será o futuro. A unidade da comunicação é imprescindível. Discursos desencontrados, que precisem ser arbitrados corroem a imagem do eleito e com isso a de seu futuro governo. Atos e imagens que demonstrem tréguas e compromissos nacionais são estratégicos.
Todo esse esforço é uma preparação necessária para o início do governo. Os cem primeiros dias são cruciais. É nesse período que o governo diz a que veio, e uma transição bem feita, ainda que enfrentando percalços de falta de informação e boicotes de todo o gênero, será fundamental para tal intento. Não é hora de descansar ou tirar férias. Temos um novo governo eleito no Brasil. A democracia venceu!
*Luna Bouzada Flores Viana é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, doutoranda em administração.
**Frederico de Morais Andrade Coutinho é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, mestre em administração e vice-presidente da ANESP.
***Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.
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