Bolsonaro perde mais com demissão do que o próprio Moro
O agora ex-ministro Sergio Moro fez uma aposta arriscada quando aceitou fazer parte do governo de Jair Bolsonaro. Deixou de ser o juiz federal implacável com corruptos e ofereceu-se como vidraça em uma administração comandada por um presidente ao mesmo tempo inseguro e intransigente.
Ao longo da trajetória cheia de sobressaltos de Moro no Ministério, Bolsonaro acenou algumas vezes com a cenoura da vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), que será aberta no final deste ano com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Mas também houve momentos em que deixou a oferta em dúvida: quem sabe um ministro evangélico não seria mais do agrado presidencial?
Colocar Moro no caminho do STF parecia uma boa estratégia para evitar que o ex-juiz, que desfruta de uma popularidade maior do que a do próprio presidente, se tornasse um adversário nas urnas.
A demissão de Moro, desfecho de uma longa disputa entre presidente e ministro em torno da autonomia investigativa da Polícia Federal, torna uma indicação para o STF mais distante. Que caminho o ex-juiz federal tomará agora? Mais livre para dizer o que pensa sem pisar em ovos para não melindrar o chefe, ele pode crescer como opção para as eleições presidenciais de 2022.
Desde que assumiu o Ministério, em janeiro do ano passado, Sergio Moro engoliu sapos em série. Viu o presidente e o Congresso esvaziarem seu pacote de leis anticrime, aceitou a contragosto medidas de flexibilização de posse de armas, quase foi atropelado pelo escândalo do vazamento de mensagens do tempo em que era juiz da Lava Jato, perdeu o agora extinto Coaf (órgão que investigava operações financeiros, importante instrumento anticorrupção) para o Ministério da Economia e viu-se diversas vezes pressionado a permitir uma intervenção direta do presidente sobre a Polícia Federal, órgão que preza sua autonomia para fazer investigações.
Bolsonaro mostrou-se irritado, em meados do ano passado, com investigações da PF sobre o laranjal do PSL, seu partido de então, e sobre transações imobiliárias de seu filho Flávio Bolsonaro, senador do Rio de Janeiro. Essa suspeita foi depois descartada. Mas agora a PF está no encalço de seu outro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, na investigação sobre a fábrica de fake news.
Em janeiro deste ano, Bolsonaro ameaçou desmembrar o Ministério de Moro, tirando dele a Segurança — e, junto com ela, a Polícia Federal. Bolsonaro voltou atrás e Moro teve seu "Dia de Fico", mas foi por pouco. Sua atuação foi ficando cada vez mais apagada, ofuscada nas últimas semanas pela dupla crise, econômica e sanitária, causada pelo novo coronavírus.
A saída do governo, por incrível que pareça, dá a Moro a possibilidade de recuperar parte de seu brilho. Já Bolsonaro se enfraquece a cada dia.
Ele perdeu dois de seus ministros mais populares — o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e agora Moro — no espaço de uma semana. Arrisca-se a acontecer o mesmo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi preterido na elaboração de um plano de investimentos em infraestrutura, comandado pela Casa Civil do general Braga Netto, que muito se parece com o PAC da ex-presidente petista Dilma Rousseff.
No momento em que os eleitores lavajatistas ganham um motivo a menos para seguir apoiando seu governo, Bolsonaro se rende também à velha política que ele sempre criticou, oferecendo cargos no segundo escalão do governo para deputados do Centrão fisiológico. Tudo porque não soube fazer a boa política, aquela que se dá por meio da busca de consensos.
Com a demissão de Moro, Bolsonaro perde o pilar anticorrupção de seu governo. O pilar contra a velha política já ruiu. O pilar da política econômica austera foi virado de cabeça para baixo pela crise da pandemia.
Sergio Moro, por sua vez, sai da sombra do chefe, liberta-se de um governo em frangalhos e tem a opção de alçar voos mais altos.
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