Bolsonaro já não governa, apenas luta para sobreviver no cargo
O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril escancarou um fato que está ficando cada vez mais claro desde o mês anterior. As energias do presidente Jair Bolsonaro não estão concentradas em procurar soluções para os problemas nacionais e, sim, para superar a atual crise política — em grande medida criada por ele próprio — e para sobreviver no cargo.
Na reunião ministerial, Bolsonaro estava preocupado com o fato de que nem todos os ministros (foco em Sergio Moro) se empenhavam em defendê-lo ou em alinhar-se com seu discurso contra as medidas de distanciamento social impostas por governadores e prefeitos. Poucas palavras gastou com o assunto que motivou a reunião, o PAC do general Braga Netto para estimular a economia e gerar empregos nos anos que se seguirão à pandemia de covid-19.
Bolsonaro não assumiu o governo da crise de saúde pública que já matou mais de 30.000 brasileiros pela doença causada pelo novo coronavírus. Deixou o ônus dessa luta nas costas dos estados e municípios. Quando agiu, foi para se opor às medidas de saúde pública nos entes subfederativos. Sua tentativa de boicotar o governo dos outros foi contida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que assegurou a autonomia de estados e municípios na execução de políticas de saúde pública.
Sem apetite para governar a não ser por ações negativas, tratou de boicotar até mesmo seus ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Envio de recursos e equipamentos médicos para estados e municípios continuam, na nova gestão ministerial, por inércia e por pressão de governadores e prefeitos. Para Bolsonaro, o mais próximo que se pode chegar da palavra "governar" é distribuir hidroxicloroquina.
A aliança com o centrão, como é chamado o grupo de partidos com integrantes ávidos por recursos públicos, tem menos a ver com conseguir apoio para aprovar leis necessárias para prestar socorro aos afetados pela crise econômica e mais com o temor do presidente de enfrentar um processo de impeachment.
Afinal, o Congresso não vinha se opondo a aprovar as medidas emergenciais. Agora Bolsonaro diz que a nomeação de indicados pelo centrão para uma dezena de cargos em entidades com cofres cheios não tem nada a ver com ele. Mas não é ele quem governa?
O foco na sobrevivência é evidente nos constantes ataques ao STF, nas aparições espetaculosas de Bolsonaro em manifestações dominicais de apoio a ele e nas ameaças de ruptura da ordem institucional por meio das Forças Armadas feitas pelo próprio presidente, por seus filhos e por alguns de seus ministros.
A suspeita de que Bolsonaro procurou interferir indevidamente na Polícia Federal (PF) também tem a ver com sua sobrevivência política e a de seu núcleo mais próximo. Até a tentativa de omitir os dados de gastos no cartão corporativo da Presidência tornou-se um fator de sobrevivência política.
Neste domingo (31), um novo elemento veio se somar aos ventos que desestabilizam Bolsonaro: os primeiros protestos de rua contra os sinais de que ele pretende se agarrar ao que der, até a medidas autoritárias e ilegais, para se manter no poder.
Os militantes bolsonaristas nas redes sociais costumam, diante de qualquer crítica ao presidente, repetir o bordão: "Deixem Bolsonaro governar." Mas foi ele próprio quem abdicou de governar meses atrás, quando a pandemia começou, e preferiu concentrar seus esforços em engajar-se no enfrentamento com os outros poderes da República e com estados e municípios.
Bolsonaro vê tudo sob o ângulo de sua permanência no poder, até a tragédia individual de cada uma das vítimas da pandemia que se negou a combater em coordenação com os gestores estaduais e municipais. Isso fica explícito quando ele diz que "lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo". Ou seja, é triste, mas o que o presidente pode fazer? A resposta correta seria: governar.
Bolsonaro não se sente responsável pela sobrevivência dos brasileiros porque sua prioridade sempre foi outra: a sua própria sobrevivência política.
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