Topo

Diogo Schelp

Bolsonaro adota tom mais ameno em 2º discurso na ONU

Jair Bolsonaro discursa na Assembleia Geral da ONU - Reprodução/TV Brasil
Jair Bolsonaro discursa na Assembleia Geral da ONU Imagem: Reprodução/TV Brasil

Colunista do UOL

22/09/2020 11h51

O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nesta terça-feira (22), conteve críticas ao que ele considera serem pressões externas ao Brasil com "interesses escusos", mas, em comparação com sua estreia nos debates anuais, em 2019, foi marcado por um tom mais ameno.

Assim como no discurso do ano passado, Bolsonaro dedicou boa parte da sua fala à questão ambiental, tentando convencer o mundo, com base em estatísticas, que o Brasil é um líder na preservação da natureza e que seu governo está comprometido com essa causa.

Bolsonaro, porém, omitiu os dados negativos. Ele nada falou sobre os índices recordes de incêndios na Amazônia e no Pantanal, segundo dados do INPE. E afirmou que as queimadas no Pantanal são um fenômeno normal e que o que arde na Amazônia são áreas degradadas.

Além disso, ao dedicar a parte inicial do discurso à pandemia do novo coronavírus, Bolsonaro tratou de se eximir de responsabilidade pelas medidas de isolamento social (segundo ele, delegadas aos governadores) e gabou-se de ter promovido "tratamentos precoces" para a covid-19. A referência evidente à hidroxicloroquina, que não tem eficácia contra a doença, foi reforçada na frase seguinte, em que reclamou da alta nos preços dos insumos para o remédio.

Uma acusação mais dura contra as nações que criticam a política ambiental de seu governo apareceu apenas no trecho em que Bolsonaro diz que o Brasil é "vítima de uma campanha de desinformação", sustentada em "interesses escusos". Em outro ponto, o presidente disse que o Brasil tentou avançar com a proposta de criação de um mercado de carbono na COP25, a conferência de clima realizada em Madri, no ano passado, mas encontrou barreiras impostas por outros países. "Fomos derrotados pelo protecionismo", disse Bolsonaro.

Em 2019, Bolsonaro foi bem mais incisivo em seus ataques àqueles que criticavam o desmatamento no Brasil. "Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista", disse Bolsonaro na ocasião. Em seguida, ele fez uma referência clara à França de Emmanuel Macron, que "ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir".

Os ataques menos contundentes a outros países indicam que a pressão internacional sobre o seu governo vem surtindo efeito.

Bolsonaro tentou passar uma mensagem mais positiva no discurso deste ano, assegurando que está comprometido com o acordo União Europeia-Mercosul, ameaçado justamente pela percepção dos europeus de que o governo brasileiro nada faz para evitar a destruição da natureza.

O problema é que, em muitos pontos, as afirmações de Bolsonaro não convencem ninguém, muito menos líderes internacionais experientes e vacinados contra dissimulação. Como acreditar que o Brasil está sendo bem sucedido na gestão da pandemia, quando temos o segundo maior número de mortos por covid-19 do mundo? Como levar a sério a afirmação, feita por Bolsonaro, que o Brasil sob o seu governo é uma "referência em direitos humanos", apenas porque aceita acolher refugiados venezuelanos?

Bolsonaro afirmou que o Brasil segue recebendo investimentos estrangeiros e que isso prova a "confiança do mundo em nosso governo".

É o que se chama em inglês de wishful thinking, ou seja, um "pensamento ilusório", que reflete não uma realidade, mas apenas o desejo de que essa realidade se concretize.