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Diogo Schelp

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Luana Araújo estava certa ao aceitar o cargo no governo Bolsonaro

02.jun.2021 - A médica infectologista Luana Araújo em depoimento à CPI da Covid, em Brasília  - Jefferson Rudy/Agência Senado
02.jun.2021 - A médica infectologista Luana Araújo em depoimento à CPI da Covid, em Brasília Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

02/06/2021 15h54Atualizada em 02/06/2021 16h44

O depoimento da infectologista Luana Araújo à CPI da Covid-19 no Senado é uma demonstração de como a história da pandemia no Brasil poderia ter sido diferente se a ciência tivesse pautado a gestão do combate ao novo coronavírus pelo governo de Jair Bolsonaro.

A médica foi convocada para falar à CPI porque sua nomeação para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, anunciada pelo ministro Marcelo Queiroga no dia 12 de maio, foi recusada pelo Palácio do Planalto dez dias depois. Suspeita-se que isso tenha ocorrido justamente porque as soluções defendidas por ela para combater a pandemia são baseadas na ciência, não em achismos ou, para usar uma palavra cunhada por ela, em "neocharlatanismo".

Araújo respondeu às questões dos senadores com embasamento técnico, sem politizá-las. De maneira assertiva, sem rodeios e demonstrando um profundo conhecimento científico, ela derrubou os principais mitos e preconceitos que sustentaram a política governamental durante a maior parte da pandemia.

Sobre a hidroxicloroquina, foi categórica em dizer que o remédio não é eficaz contra a covid-19 em nenhuma fase da doença. Sobre autonomia médica para indicar o chamado "tratamento precoce", disse que "não é justo com os médicos jogar para eles a responsabilidade de prescrever um medicamento que o mundo inteiro diz que não funciona". Também fez a afirmação, acompanhada de uma breve e precisa explicação científica a respeito das mutações do vírus, de que "imunidade de rebanho para Sars-Cov-2 é impossível de ser atingida".

A dra. Araújo deixou senadores governistas e cloroquiners que tentaram pegá-la em contradição, como Marcos Rogério (DEM-RO) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS), sem palavras. Quanta diferença para os depoimentos recheados de falácias científicas e contorcionismos argumentativos das também médicas Nise Yamaguchi, que depôs nesta terça-feira (1º), e Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde.

Mesmo ela tendo deixado claro que um dos problemas da gestão da pandemia no Brasil é a politização de questões de cunho científico, agora a infectologista está sendo criticada por falta de traquejo político ou de ter sido ingênua ao aceitar o cargo no ministério de um governo negacionista.

Trata-se de uma crítica que mira na cabeça do problema e acerta apenas o fio do cabelo.

A médica Luana Araújo estava certa em aceitar o desafio de assumir uma secretaria cuja missão seria organizar e coordenar os esforços do Ministério da Saúde nas medidas contra a covid-19. A doença já havia matado mais de 428.000 brasileiros naquele momento e mataria ainda mais, como de fato está matando, se nada fosse feito.

É evidente, e isso fica claro no depoimento, que Araújo tinha consciência dos riscos de aceitar o convite. Risco de não dar certo, de ter sua atuação contestada ou de bater de frente com ordens vindas do Palácio do Planalto. Afinal, foi isso que aconteceu nas três gestões anteriores do Ministério da Saúde durante essa pandemia.

Mas alguém com conhecimento técnico precisava assumir esse risco. Caso contrário, as funções executivas do ministério ficariam à mercê apenas de figuras com aspirações mais políticas do que técnicas, como Mayra Pinheiro, que já foi até candidata frustrada ao Senado e é uma bolsonarista entusiasmada.

Luana Araújo explicou, no depoimento, que sua primeira conversa com Queiroga lhe deu a convicção de que o novo ministro estava disposto a colocar a ciência no centro das decisões no combate à pandemia. E que ainda espera que a estratégia de testagem em massa na qual ela trabalhou durante os poucos dias no ministério seja implantada com sucesso. Também demonstrou que tinha razões para acreditar que a discussão em torno da promoção da hidroxicloroquina já havia sido superada.

Ela disse que assumiu o posto por patriotismo. Pode até ser que além de dever cívico, também a vaidade e a ambição profissional tenham influído na decisão. Nenhum problema nisso, pois sem vaidade ou ambição o que se tem é aversão ao risco.

Luana Araújo fez bem em aceitar o cargo porque alguém precisava arriscar-se a fazer a coisa certa em um governo torto.

Não deu certo, mas no fim das contas ela acabou produzindo provas da responsabilidade de Bolsonaro pela gravidade da pandemia no país. O caso dela evidencia que o governo não aprendeu com os erros do ano passado e não está disposto a mudar de postura para salvar vidas de brasileiros.

Afinal, Luana Araújo, que não queria politizar a ciência, durou dez dias no ministério, enquanto Mayra Pinheiro, a capitã cloroquina, segue firme e forte.