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Diogo Schelp

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mayra Pinheiro desmoraliza ideia de ministério 'científico' de Queiroga

Mayra Pinheiro fala à CPI da Covid  -  Reprodução TV Senado
Mayra Pinheiro fala à CPI da Covid Imagem: Reprodução TV Senado

Colunista do UOL

25/05/2021 17h55

Antes de assumir o cargo de ministro da Saúde, em março, o cardiologista Marcelo Queiroga disse que a diferença da sua gestão para a do antecessor, Eduardo Pazuello, seria a de "seguir as recomendações da ciência".

O depoimento de Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, à CPI da Covid, nesta terça-feira (25), indica que ou a promessa de Queiroga não foi cumprida ou a chamada "capitã cloroquina" preenche uma cota negacionista na pasta.

Na CPI, Mayra Pinheiro negou que o Ministério tenha incentivado a prescrição de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19, ao mesmo tempo em que defendeu com afinco a prescrição de cloroquina e de outros medicamentos sem eficácia comprovada contra covid-19.

Parece contraditório? E é mesmo.

A secretária disse que o Ministério apenas orientou os médicos "sobre doses seguras desses medicamentos que já vinham sendo utilizados no mundo inteiro e vinham sendo utilizados pela população brasileira, às vezes sem a orientação médica".

Quando perguntada diretamente se ela defende o tratamento precoce para covid-19, Pinheiro respondeu: "Eu defendo que o médico possa usar tudo o que tem disponível para salvar seus pacientes. Defendo o tratamento no início da doença, de todas as doenças."

Trata-se de uma resposta vaga, ensaiada, cujo objetivo é passar a ideia de que um médico que se recusa a receitar os medicamentos do chamado "tratamento precoce" não estão cumprindo sua missão, ou seja, estão sendo omissos.

Quando confrontada pelos senadores — especialmente por Otto Alencar (PSD-BA), que é médico —com as evidências de que esses medicamentos não se provaram eficazes contra a covid-19 e que inúmeras sociedades médicas até os contraindicam, no entanto, a funcionária do Ministério da Saúde se pôs a defender arduamente a prescrição em estágios iniciais da doença.

"A OMS retirou a orientação desses medicamentos para tratamento da covid baseada em estudos que foram feitos com qualidade metodológica questionável", afirmou Pinheiro, garantindo também que teve familiares que foram medicados com eles.

Ao tentar listar os países que adotam a hidroxicloroquina ou a cloroquina em seus protocolos oficiais, Pinheiro teve dificuldade para cumprir a tarefa, soltando um "República Tcheca" hesitante e, depois, com um pouco mais de firmeza, "Cuba".

Questionada sobre o ofício assinado por ela para pressionar médicos das Unidades Básicas de Saúde de Manaus a adotar o "tratamento precoce", no início de janeiro (quando a cidade estava prestes a sofrer o colapso do fornecimento de oxigênio hospitalar), Pinheiro tergiversou, apresentando a versão de que no documento se referia ao fato de que os pacientes não estavam recebendo atendimento nas UBS e acabavam "morrendo em casa".

No ofício, no entanto, ela fala claramente em "medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde" e que era "inadmissível" não as adotar. "Medicações consideradas antivirais" foi também a maneira como a secretária se referiu na CPI à hidroxicloroquina e outros remédios sem eficácia comprovada contra covid-19.

Com seu depoimento, a secretária — que já tentou uma cadeira no Senado pelo PSDB do Ceará e atualmente está sem partido — certamente ganhou pontos com o presidente Jair Bolsonaro, o maior garoto-propaganda da hidroxicloroquina, e com outros cloroquiners de plantão.

Para a imagem pró-ciência da gestão de Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde, contudo, ela apenas depôs contra.