Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Veículos militares desfilam no Planalto e militares encrencados, na CPI
No dia em que veículos militares desfilaram diante do Palácio do Planalto para uma plateia de meia dúzia de gatos pingados, o Brasil assistiu à continuação do desfile de militares encrencados na CPI da Covid do Senado. Uma coisa está ligada à outra.
A inédita parada de blindados da Marinha em Brasília, em pleno dia útil e de votação da conflituosa PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados, está inserida no contexto da estratégia do presidente Jair Bolsonaro de mostrar que tem as Forças Armadas ao seu lado, para o que der e vier.
O efeito obtido foi o contrário do esperado. Poucas autoridades de destaque se perfilaram ao lado de Bolsonaro para assistir ao desfile de blindados e (um) taque. Nenhum dos chefes dos outros Poderes prestigiou o evento. Do outro lado do alambrado, pouquíssimos cidadãos e baixíssima empolgação.
O desfile virou piada. Diante do excesso de fumaça que saía dos escapamentos dos veículos militares, houve quem dissesse que Bolsonaro encontrou mais uma maneira de contribuir para aumentar o aquecimento global, além da sua criticadíssima política antiambiental.
O que não é tratado como piada é o desfilo de militares no banco de depoentes da CPI da Covid no Senado.
Por lá já passaram Eduardo Pazuello, o general da ativa e ex-ministro da Saúde que é apontado como um dos principais responsáveis pelo agravamento da tragédia pandêmica nacional; o seu braço direito, o coronel Élcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde (MS) que esnobou vacinas contra covid-19, entre outros pecados de omissão e comissão; e o tenente-coronel Marcelo Blanco, que saiu direto de um cargo no Ministério da Saúde para o lado de lá das estranhas negociações com a Davati.
Nesta terça-feira (10), foi a vez do tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida, que preside um instituto acusado de divulgação de fake news e que abriu as portas da secretaria executiva do Ministério da Saúde para os falsos vendedores de vacina da empresa Davati, aquela que prometia 400 milhões de doses de AstraZeneca e que, segundo um de seus representantes, recebeu pedido de propina de funcionário da pasta federal.
O coronel, munido de um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), optou por permanecer calado na maior parte do tempo, para não se incriminar. Nem por isso deixou de propiciar momentos de contradição, como quando disse não ter influência alguma no governo, no que foi confrontado com uma impressionante lista de encontros em agenda oficial com ministros, com o vice-presidente Hamilton Mourão e com o próprio presidente.
O próximo militar a depor poderia ser o ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, que quando chefe da Casa Civil esteve à frente da "estratégia" de enfrentamento à pandemia do governo. Mas muitos membros da CPI, inclusive senadores de oposição, acham que este não é o melhor momento para convocá-lo, justamente para evitar tensionar as relações com as Forças Armadas. Pode ser excesso de cautela.
O que liga o desfile militar no Planalto e o desfile de militares na CPI é a tentativa de cooptação, desde o início deste governo, das Forças Armadas para submetê-las ao projeto de poder de Jair Bolsonaro.
O desfile de militares encrencados na CPI é resultado do aparelhamento da máquina do governo com milhares de oficiais da reserva e da ativa em cargos civis. Não havia como isso acontecer sem expô-los a oportunidades de corrupção ou situações contrárias à ética administrativa.
Da mesma forma, o desfile militar no Planalto foi uma tentativa de exibir o comprometimento dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica com o governo Bolsonaro — não com o Estado brasileiro, como manda a Constituição. Não há como isso acontecer sem jogar na lama a credibilidade das Forças Armadas ou, no mínimo, de sua cúpula.
Nenhum dos dois tipos de desfiles é o que o povo brasileiro quer ver.
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