Topo

Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lava Jato x Vaza Jato

Colunista do UOL

17/02/2022 15h12

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A linha do tempo abaixo é um capítulo fundamental da história recente do Brasil, que me dei ao trabalho de organizar e analisar com base nos fatos, para dissipar a espuma e a fumaça ventiladas por guardiões e porta-vozes do sistema.

Ela reúne e relaciona os casos do triplex do Guarujá, das mensagens roubadas da Lava Jato, do inquérito no STJ baseado no conteúdo delas e de diversos julgamentos no STF.

Os links para documentos, artigos e vídeos servem a quem quiser se aprofundar nos referidos temas.

12 de julho de 2017

Sergio Moro condena Lula a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.

A sentença tem 238 páginas e sua íntegra pode ser lida aqui.

De acordo com ela, o ex-presidente da República recebeu 2,25 milhões de reais em propinas, como resultado de acerto entre o PT e a OAS relativo a obras na Petrobras. A empreiteira pagou cerca de 3% do valor dos contratos e aditivos firmados. O preço do triplex e das "reformas personalizadas" feitas no imóvel foi abatido desse montante, segundo o juiz da 13ª Vara Federal da Curitiba.

Moro registra que Lula "ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República". "Isso sem olvidar [esquecer] que o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobras e de uma relação espúria entre ele e a OAS."

Moro ainda lista tentativas de Lula de intimidar integrantes da Operação Lava Jato, por exemplo sugerindo que, se assumir o poder, irá prender procuradores ou delegados: "se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los", disse o petista.

"Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva" de Lula, pondera Moro. "Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente" não deixa de envolver "certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação". Assim, poderá Lula recorrer "em liberdade", decide o juiz.

24 de janeiro de 2018

Por 3 votos a 0, desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmam em segunda instância a condenação de Lula no caso do triplex e aumentam a pena imposta por Moro de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

O julgamento, do qual decorrerá a prisão do petista, pode ser visto no Youtube aqui.

"Lamentavelmente, Lula se corrompeu", destaca, pelo Ministério Público Federal, o procurador regional Mauricio Gotardo Gerum. "O que parecia ser uma construção de uma governabilidade, a partir de indicações políticas, nada mais era do que a criação de um mecanismo de dilapidação dos cofres estatais".

Segundo Gerum, a defesa de Lula não conseguiu apresentar qualquer argumento consistente que afastasse o conjunto probatório apresentado. "Não é porque se trata de um ex-presidente da República que nós só vamos aceitar como prova a escritura assinada ou recibo da corrupção com firma reconhecida em cartório", ressaltou.

O voto do relator, João Pedro Gebran Neto, tem cerca de 430 páginas. Segundo ele, as provas orais e documentais corroboram a acusação de que o ex-presidente e a ex-primeira-dama, Marisa Letícia, eram os proprietários do triplex e que as reformas promovidas pela OAS foram destinadas a eles como pagamento da porcentagem de propina reservada a Lula em retribuição pelo fechamento de contratos da empreiteira com a Petrobras.

"Me parece extremamente relevante o fato de ter havido uma visita, terem sido realizados projetos e, posteriormente, ter sido feita a apresentação desses projetos na residência do ex-presidente e da ex-primeira-dama, havendo aprovação. Depois, ainda houve uma segunda visita para verificar as reformas", escreve Gebran.

Ao elevar a pena - ponto que, como veremos, será revertido no STJ -, o desembargador entendeu que há culpabilidade extremamente elevada por tratar-se de ex-presidente que recebeu valores decorrentes da função que exercia, e de esquema de corrupção que se instalou durante o exercício do mandato, do qual se tornou tolerante e beneficiário. "É lembrar que a eleição de um mandatário, em particular de um presidente da República, traz consigo a esperança de população em melhor projeto de vida", pontua o relator

"Não julgamos o nome ou personagem, ou ainda um reconhecido estadista. Julgamos fatos concretos, os quais foram examinados e julgados dentro da mais perfeita moldura constitucional da legalidade, das provas e dos limites da minha capacidade", finaliza.

"É inequívoco o vínculo de causalidade entre a conduta do ex-presidente Lula e os crimes praticados", concorda o revisor, Leandro Paulsen. "Luiz Inácio agiu pessoalmente para tanto, bancando quedas de braço com o Conselho da Petrobras, forte na condição de presidente da República", "tendo até ameaçado substituir os próprios conselheiros caso não fosse confirmada a indicação". "Há elementos de sobra que demonstram que Lula concorreu para os crimes de modo livre e consciente, que concorreu para viabilizá-los e para perpetuá-los", destaca.

Para Victor Luiz dos Santos Laus, último a votar, Lula, ciente dos fatos em seu entorno, tirou proveito da situação em vez de tomar providências. Segundo ele, se as provas fossem "frágeis, não teriam resistido ao embate, mas resistiram".

Tanto resistiram que, como veremos, elas precisarão ser dribladas com manobras jurídicas.

4 de dezembro de 2018

Segunda Turma do STF começa a julgar o habeas corpus relativo à suspeição de Sergio Moro, alegada pela defesa de Lula. O relator Luiz Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia votam contra o pedido.

"Suspeição é diferente do impedimento. E parcialidade, suspeição, exige que a parte acusada seja ouvida. Não se pode considerar um magistrado suspeito por decidir com base em tese jurídica que considera correta", defende Fachin.

"O fato de um ex-juiz ter aceito convite formulado para Executivo não pode ser considerado por si sua parcialidade", diz Cármen Lúcia, atestando a legalidade da transição de Sergio Moro da magistratura para a Esplanada dos Ministérios.

Gilmar Mendes, porém, pede vista e interrompe o julgamento. O ministro ficará, como veremos, 2 anos e 3 meses com a questão engavetada, guardando uma carta na manga em caso de necessidade de blindar o sistema contra avanços da Operação Lava Jato.

Após o pedido de Gilmar, Ricardo Lewandowski, indicado por Lula ao STF, afirma que o caso "é muito complexo".

23 de abril de 2019

Por unanimidade, a Quinta Turma do STJ decide manter a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex.

O relator, Felix Fischer, e os ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Marcelo Navarro concordam, também, em reduzir a pena de 12 anos e 1 mês imposta pelo TRF-4 para 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, mais próxima, portanto, dos 9 anos e 6 meses impostos por Sergio Moro.

Fischer afirma que, em relação à corrupção, as penas foram fixadas em patamar elevado e, em relação à lavagem de dinheiro, que foram aumentadas de modo vago, com agravantes como o de ter sido presidente, por exemplo.

Soares não vê prescrição de pena alguma. "Não vislumbro prescrição porque atos de corrupção ocorreram até 2009 e lavagem vai até 2014", afirma. Manobras jurídicas do STF, porém, abrirão caminho em 2021 para a prescrição em 2022, como veremos.

9 de junho de 2019

O blog Intercept começa a publicar e interpretar mensagens hackeadas, atribuídas a integrantes da força-tarefa da Lava Jato, sendo, depois, seguido por portais de notícias e emissoras, em episódio conhecido como Vaza Jato - nome de apelo popular que omite a origem criminosa do material obtido por uma quadrilha de hackers.

9 de julho de 2019

O Globo publica o artigo "E a cocaína?", de Joaquim Falcão, professor de Direito Constitucional que, antevendo a impunidade de corruptos atingidos pela Lava Jato, comenta um episódio relatado a ele por um ministro aposentado do STF.

"O Supremo julgava um traficante de drogas. Preso com 30 ou mais quilos de cocaína... Na apreensão, ou durante o processo, uma autoridade teria cometido ato duvidoso diante da lei. A defesa argumentou ofensa ao princípio de devido processo legal... O debate no Supremo caminhava rotineiramente para a soltura e absolvição do traficante preso.

Quando, surpresa, um ministro perguntou a seus colegas: 'E a cocaína? O que fazemos com os mais de 30 quilos apreendidos?' Se não houve crime, há que se devolvê-la a seu legítimo proprietário: o traficante. O Estado não poderia confiscá-la com base em eventual equívoco processual da autoridade coatora."

Para Falcão, "a analogia é inevitável". "O que fazer com a corrupção? Devolvê-la aos corruptos?" Ele cita descobertas da Lava Jato sobre malas de dinheiro e contas não declaradas na Suíça, além de confissões e perícias. "A quem devolver? À sociedade?"

Segundo o professor, que também é membro da Academia Brasileira de Letras, "a legislação processual e o formalismo interpretativo alimentam a irresponsabilização judicial". "O excesso do devido processo legal é uma doença. Inchaço. Patologia... Este processualismo tem efeito reverso. É como o muito receitar de antibióticos. O corpo cria defesas. De tantos incidentes processuais, a corrupção cria também defesas."

Falcão explica que "são tantas, dezenas, milhares de condições exigidas pela nossa legislação processual que, estatisticamente, se torna altamente provável que, no correr dos anos do processo, se consiga adiar ou anular qualquer um".

"Basta um bom advogado, pagar os custos da demora e pronto. O labirinto dos recursos se cruza com as dezenas de juízes em um mesmo caso... Este processualismo não defende a sociedade. São rituais de impunidades e desigualdades judiciais."

23 de julho de 2019

É deflagrada a Operação Spoofing, com base em decisão do juiz federal Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal, de Brasília, que autoriza a prisão temporária de quatro suspeitos de atuação na violação criminosa de celulares de autoridades.

7 de novembro de 2019

Por 6 votos a 5, o STF decide derrubar a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando entendimento adotado desde 2016.

A decisão garante a soltura de Lula.

Sobre a questão jurídica em jogo na mudança de jurisprudência, ver meu artigo "Bandidos à solta", de 8/11/2019.

Sobre a mudança de postura e de voto de Gilmar Mendes, ver meu artigo "Cármen, Gilmar e Lewan", de 30/8/2019.

Sobre a mudança de posição de Dias Toffoli, anos antes, ver meu artigo "A farsa", de 16/8/2019.

Sobre as confissões de Toffoli a respeito deste julgamento, ver meu artigo: "O conselheiro Toffoli no establishment de Bolsonaro".

28 de dezembro de 2020

Ricardo Lewandowski determina que a defesa de Lula tenha acesso às mensagens apreendidas na Operação Spoofing.

22 de janeiro de 2021

Diante da alegação dos advogados de Lula de que a decisão anterior não foi integralmente cumprida, Lewandowski reforça a determinação "à Polícia Federal que franqueie à defesa do reclamante o acesso, imediato e direto, à íntegra do material".

4 de fevereiro de 2021

A CNN publica a matéria "Novas mensagens mostram intenção da Lava Jato de investigar ministros do STJ". A reportagem se baseia, na verdade, na triagem feita pela defesa de Lula em cima da íntegra do material acessado, da qual resultou um arquivo de 42 páginas entregue a Lewandowski no mesmo dia, com os apontamentos de interesse dos advogados do petista sobre o conteúdo das mensagens hackeadas.

"A troca de mensagens indica que a operação tinha a intenção de investigar pessoas com prerrogativa de foro privilegiado sem autorização", diz a CNN. Ali não há, porém, qualquer prova de ter sido feita pela Receita Federal a análise patrimonial aventada como mera hipótese, sabe-se lá se irônica, em conversa privada e informal atribuída a procuradores, na qual ainda se duvida de que esteja envolvido em irregularidades o relator da Lava Jato no STJ, ministro Félix Fischer, visto como sério.

5 de fevereiro de 2021

Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins abre inquérito para apurar supostas tentativas de integrantes da Lava Jato de investigar, ilegalmente, a movimentação patrimonial de ministros do STJ e também de intimidá-los.

Em seu ofício, Martins alega "que os meios de comunicação noticiaram a suposta existência" dessas tentativas, embora cite link para a matéria da CNN que fala somente em "intenção".

O presidente do STJ também encaminha ao procurador-geral da República, Augusto Aras, outro ofício em que reproduz as referidas mensagens hackeadas e solicita que o PGR "tome as necessárias providências para a apuração de condutas penais, bem como administrativas ou desvio ético dos procuradores nominados e de outros procuradores da República eventualmente envolvidos na questão, perante o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)".

4 de março de 2021

Lewandowski autoriza o compartilhamento com o STJ de mensagens hackeadas, apreendidas na Operação Spoofing.

8 de março de 2021

Luiz Edson Fachin entende, em decisão monocrática tomada na linha das seguidas decisões da Segunda Turma do STF, que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba é incompetente (no sentido de não ter jurisdição) no caso do triplex do Guarujá, porque ele não se resume exclusivamente à Petrobras.

As decisões anteriores neste sentido foram manobras de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, colocadas em prática para abrir precedente e ir transferindo da Lava Jato de Curitiba para a Justiça Federal de Brasília os casos de corrupção de políticos.

São regras inventadas no meio do jogo e aplicadas para trás, como diz Deltan Dallagnol, contrariando aquelas que vigoravam quando a força-tarefa atuou.

Sobre o caso específico, porém, noticia-se que Fachin se antecipa à decisão incontornável dos colegas de Turma, para tentar evitar, ao menos, a votação da suspeição de Sergio Moro, o que pode resultar em prejuízos ainda maiores para o processo e a Lava Jato do que a anulação das condenações de Lula em três instâncias.

Com a anulação, porém, o petista já escapa da aplicação da Lei da Ficha Limpa e fica novamente livre para participar das próximas eleições.

9 de março de 2021

- Gilmar Mendes, no dia seguinte à decisão de Fachin e apesar dela, pauta na Segunda Turma do STF o HC da suspeição de Sergio Moro, engavetado há 2 anos e 3 meses, como vimos, em razão de pedido de vista do próprio Gilmar.

O motivo da súbita pressa do ministro é evitar que a incompetência de Moro antecipada por Fachin faça o HC da suspeição perder objeto. Gilmar quer que Moro seja declarado suspeito, mesmo que ele não tivesse jurisdição no caso.

- A Segunda Turma começa, então, a decidir sobre a alegada parcialidade de Moro no caso do triplex. Gilmar, que se voltou contra a Lava Jato após a força-tarefa atingir seus amigos tucanos, e Lewandowski, indicado ao Supremo pelo réu do processo, usam as mensagens roubadas como um "reforço argumentativo" contra o ex-juiz. Mas Kássio Nunes Marques pede vista e interrompe o julgamento.

- Subprocurador-geral da República, José Adonis Callou de Araújo Sá pega carona em habeas corpus apresentado no mês anterior por um ex-procurador da Lava Jato e recorre ao STF contra o inquérito conduzido por Martins, apontando sua "inconstitucionalidade/ilicitude".

Na manifestação, Araújo Sá alega que, por ter sido instaurada de ofício pelo presidente do STJ, a investigação viola o sistema acusatório e as prerrogativas dos membros do Ministério Público Federal: "o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça é norma infralegal, não possuindo força normativa para legitimar a instauração e a condução de inquérito pelo Poder Judiciário".

Também aponta, entre outros fatores, a origem ilícita das provas e as normas da Constituição Federal e do Código de Processo Penal que vedam sua utilização, bem como investigações decorrentes delas. O subprocurador-geral cita, inclusive, "jurisprudência pacífica" do próprio STF "vedando o uso de prova ilícita".

22 de março de 2021

Em novo parecer de 46 páginas assinado por José Adonis Callou de Araújo Sá, o Ministério Público Federal pede o trancamento do inquérito conduzido por Martins, com farta e detalhada argumentação técnica na exposição de seus "vícios".

O MPF reforça que os arquivos digitais apreendidos na Operação Spoofing "não possuem autenticidade e integridade comprovadas", "constituem provas ilícitas e não podem ser usados para investigar e punir".

O inquérito ainda "desrespeita a decisão do STF no julgamento da ADPF n. 572, além de violar a Lei Complementar n. 75/93", afirma o subprocurador-geral. Nos itens 3.1 e 3.2, da página 6 à 24 do parecer, ele refuta detalhadamente, à luz de julgamento do próprio Supremo sobre o chamado inquérito das fake news, aberto de ofício por Dias Toffoli, a tese de que o STJ também poderia fazer o mesmo na presente situação.

23 de março de 2021

- Em resposta a outro pedido, feito pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Rosa Weber nega concessão de liminar para trancar o inquérito contra a Lava Jato no STJ, alegando não verificar os requisitos necessários para uma decisão de urgência, ou seja, "o periculum in mora [perigo da demora] aventado na exordial, sobretudo por não se encontrar o status libertatis [estado de liberdade] dos supostos investigados em situação de risco iminente".

- "Inquérito do STJ contra a Lava-Jato cita seis procuradores como alvos iniciais; veja quem são", publica O Globo, listando os nomes de Luiza Frischeisen, Eduardo Pelella, Januário Paludo, Orlando Martello Júnior, Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos.

A parte mais importante da reportagem, porém, é outra:

"Além disso, detalhes da investigação indicam que Humberto Martins quer investigar as razões pelas quais ele e seu filho, o advogado Eduardo Martins, foram delatados pelo ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, cuja negociação teve início na força-tarefa de Curitiba.

(...) A justificativa de Humberto Martins para abrir o inquérito foi apurar supostos diálogos em que procuradores da Lava-Jato tentariam investigar, de forma ilegal, os ministros do STJ. Mas o ministro cita reportagens para embasar o inquérito que inclusive tratam de outros assuntos, sem relação direta com esse fato. Essa longa lista de nomes assustou o procurador-geral da República Augusto Aras, que classificou o inquérito como 'extremamente grave e preocupante' e designou um subprocurador-geral da República [José Adonis Callou de Araújo Sá] para atuar no caso.

Uma das reportagens citadas pelo presidente do STJ reproduz supostos diálogos ocorridos em 2017 a respeito da delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Essas conversas ocorreram entre integrantes da força-tarefa de Curitiba e da PGR, órgão com competência para investigar ministros do STJ, portanto não há indício de irregularidade no procedimento. Essas supostas conversas abordam o fato de Léo Pinheiro, na negociação da delação, ter citado pagamentos de propina a Humberto Martins.

A delação de Léo Pinheiro foi assinada pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge em 2019 e homologada pelo ministro do STF Edson Fachin. De fato, um dos anexos da delação tratava de uma acusação de pagamento de propina ao filho do presidente do STJ, o advogado Eduardo Martins, em troca de influenciar no julgamento de um processo da OAS que estava com Humberto Martins. Dodge pediu o arquivamento desse anexo, sem abrir nenhuma investigação preliminar a respeito.

O fato de Humberto Martins ter incluído este caso no seu inquérito recém-aberto indica que um dos objetos da investigação é apurar as razões pelas quais ele foi delatado. Em um outro caso, seu filho foi denunciado pela Lava-Jato do Rio pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e exploração de prestígio. Segundo a acusação, Eduardo teria recebido R$ 80 milhões da Fecomércio do Rio em troca de prometer exercer influência junto a ministros do STJ em processos de interesse de Orlando Diniz, então presidente da entidade. Essa ação está suspensa por ordem do ministro do STF Gilmar Mendes."

Sobre Eduardo Martins, filho de Humberto, ver mais detalhes na reportagem "Um fenômeno do filhotismo", da Crusoé, publicada em 20/11/2020. Trecho: "Aos 35 anos, Eduardo é o feliz proprietário de um escritório de advocacia que, apenas nos últimos três anos, faturou pelo menos 70 milhões de reais... Ao menos uma parte desse valor levou Eduardo para dentro de uma investigação da PF e do MPF na qual ele é suspeito de receber vultosos pagamentos... em troca de garantir facilidades para seus clientes no STJ." Ele foi alvo da Operação E$quema S, em setembro de 2019.

Sobre a questão geral do lobby dos filhos dos togados no Brasil, ver minha entrevista de 10/9/2020 no Youtube com a ex-ministra do STJ Eliana Calmon.

24 de março de 2021

Segunda Turma do STF declara Moro parcial no caso do triplex, graças à mudança de voto da ministra indicada pelo próprio Lula, Cármen Lúcia, antes contrária, agora favorável à suspeição, sem que qualquer elemento novo ou decisivo tenha surgido no processo entre um voto e outro, a não ser o crescimento da campanha midiática que disseminou interpretações das mensagens hackeadas.

"Não há absolutamente qualquer argumento novo em meu modo de ver, apto a justificar o efeito revisional", afirmou o ministro Luiz Edson Fachin. "Não há nenhum elemento inédito nessas alegações. Desde a impetração" em 2018, quando o processo começou a ser analisado na Corte, "os elementos são esses que aí estão".

Alegando "comportamentos inadequados", porém, Cármen Lúcia passa a acompanhar Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que seguem usando o conteúdo ilícito como "reforço argumentativo". Ficam vencidos Fachin e Kássio Nunes Marques, para quem "na hipótese de suspeição, é preciso provas" e "já foram objeto de análise em todas as instâncias do Poder Judiciário" todos os pontos relacionados como argumentos na ação lulista - "condução coercitiva, quebra de sigilo, divulgação dos áudios, teor de informações prestadas ao STF pelo magistrado, fundamentos declinados por ocasião do recebimento da denúncia, postura do magistrado, obras literárias tendo como tema Operação Lava Jato, participação de magistrado em eventos políticos, pré-disposição em condenar do magistrado, considerações do magistrado em artigo acadêmico".

- O resultado do julgamento na Segunda Turma (e depois, como veremos, no plenário) confirma o cenário genérico que eu, Felipe, antecipei no artigo "Cármen, Gilmar e Lewan", de 30/8/2019:

"O risco de sempre, porém - sobretudo se Cármen assume o comportamento de Dias Toffoli em seu lugar -, é a mais alta Corte do país preservar a blindagem dos corruptos, uniformizando os interesses de cada ministro em proteger seus políticos de estimação."

26 de março de 2021

- "Presidente do STJ planeja operações contra procuradores da Lava Jato", diz reportagem publicada em O Globo, que revela os planos de Martins de autorizar "operações de busca e apreensão contra integrantes da extinta força-tarefa".

- Com base na matéria do Globo, José Adonis Callou de Araújo Sá envia mais um ofício ao STF, pedindo à ministra Rosa Weber que reveja sua decisão de manter o inquérito no STJ:

"Sobre o perigo da demora, após ter obtido todo o material da Operação Spoofing, o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça pretende decretar medidas invasivas, entre elas busca e apreensão, caminho natural, repita-se, do tipo de apuração em exame. Registre-se, inclusive, que não se pode descartar o afastamento judicial de membros do Ministério Público Federal e até prisão."

O subprocurador-geral destaca ainda que a decretação de diligências no âmbito desse inquérito "causará forte abalo ao Estado de Direito", pois vai sinalizar que "provas ilícitas podem ser empregadas para investigar e punir".

- A ANPR também envia a Rosa Weber um novo habeas corpus pedindo para a ministra reconsiderar sua decisão relativa ao pedido anterior da própria entidade. Além de citar a matéria do jornal, a ANPR relata que Martins proferiu uma decisão em que "confessou que irá tomar medidas cautelares em breve em face dos investigados (membros do MPF)". Neste despacho, Martins negou o pedido da entidade para ter acesso à investigação, alegando a necessidade de manter em sigilo diligências futuras que serão adotadas no caso. "Está obvio agora que o presidente do STJ, com base em várias ilegalidades, realiza uma investigação contra membros do MPF com base em provas ilícitas e que pretende desenvolver medidas cautelares", diz ao Globo o presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega.

- Eu, Felipe, critico no rádio o inquérito conduzido por Martins, em comentário que depois fica intitulado no Youtube como "Pai de alvo da Lava Jato tenta se vingar de procuradores no STJ".

28 de março de 2021

"STJ tem aval informal de integrantes do Supremo para investigar procuradores da Lava Jato", publica a Folha.

"O clima entre os ministros do Supremo é, por ora, favorável a Martins, segundo interlocutores que fizeram chegar a ele tal avaliação na semana passada. Os procuradores, por sua vez, apostam as fichas na possibilidade de que Rosa tome uma decisão que, ainda que provisoriamente, breque a apuração."

30 de março de 2021

- 15h37: Martins pede ao STF acesso a uma outra leva de mensagens hackeadas.

- 22h55: Rosa Weber suspende o inquérito do STJ, até que, segundo a imprensa, a Primeira Turma do STF julgue o mérito de sua decisão (o que, como veremos, não chegará a acontecer).

- Eu, Felipe, comento no rádio que "Rosa Weber freou abuso de poder do STJ contra procuradores".

- A decisão de Weber, segundo o UOL, revolta ministros do STJ, que julgam ter o mesmo direito que o STF de abrir inquérito de ofício, como fez Dias Toffoli no caso das alegadas fake news, ofensas e ameaças. (Como vimos em 22 de março, o subprocurador-geral refutou esta tese, entre as páginas 6 e 24 de seu parecer.)

Alguns deles, porém, do ponto de vista estratégico para seus próprios interesses, reconhecem dois erros de Martins: não ter delegado, como fez Toffoli com Alexandre de Moraes, a relatoria a um colega de Corte (até porque ele foi um dos alvos dos procuradores e tinha interesses pessoais na investigação); e ter anunciado que determinaria diligências no inquérito, antes de ter tomado as providências.

"O presidente (do STJ) errou na mão. Ele deveria ter designado outro ministro como relator. Ele falou demais antes de agir. Foi o contrário do Alexandre de Moraes, que agiu e não falou nada", disse um integrante do STJ ao portal.

A reportagem informa ainda que o plenário do STF, não a Primeira Turma, dará a palavra final sobre a manutenção do inquérito - o que tampouco chegará a acontecer.

12 de abril de 2021

- Vem a público a conclusão da Polícia Federal de que os hackers agiram com "dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados" e de que não é possível confirmar "a autenticidade e a integridade" das mensagens hackeadas.

O relatório de 47 páginas assinado pelo delegado Felipe Alcântara de Barros Leal é contrário a qualquer investigação em face dos integrantes da Lava Jato, vítimas de hackeamento:

"A invasão de dispositivo resulta na coleta de dados indelevelmente marcados por um vício de ilegalidade, circunstância que não pode - ou ao menos não se espera - ser superada com flancos de investigação em face das próprias vítimas. O caminho em sentido oposto, para fins de obtenção de provas ilícitas por derivação, levaria a eutanásia dos rumos da Polícia Judiciária, atingindo por ricochete, em visão holográfica, todos os princípios que inspiram a atuação policial."

O documento da PF reforça argumentos da PGR contra o inquérito conduzido por Humberto Martins contra a Lava Jato.

- Lewandowski autoriza Martins a acessar a leva de mensagens hackeadas que ele solicitou, alegando em seu despacho que o pedido do presidente do STJ foi feito horas antes da decisão de Weber de suspender o inquérito e que "não apenas o Presidente, como também os demais Ministros têm legítimo interesse em conhecer o conteúdo das referidas mensagens, em especial aquele que lhes diga respeito diretamente".

O ministro do STF aproveita e também remete a íntegra do material roubado ao "Corregedor-Geral do Conselho Nacional do Ministério Público, Promotor de Justiça do Rio Grande do Norte Rinaldo Reis Lima, para as providências cabíveis". Em fevereiro, o procurador-geral Augusto Aras havia encaminhado a Reis o pedido de Martins para abrir uma investigação contra a força-tarefa no 'Conselhão do MP'.

22 de abril de 2021*

STF forma maioria para manter decisão da Segunda Turma que declara Sergio Moro parcial no caso do triplex do Guarujá, mesmo após ela ter decidido transferir o processo de Curitiba para a Justiça Federal de Brasília. O julgamento só não é concluído porque Marco Aurélio Mello pede vista.

* Para simplificar a exposição, incluo no próximo tópico vários votos e embates que foram feitos ainda neste dia.

23 de junho de 2021*

- STF conclui julgamento e, por 7 votos a 4, decide que Moro foi parcial contra Lula. Dos 7 votos para manter o julgamento da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz concursado, 4 são de indicados por Lula ao Supremo: Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Os outros três favoráveis são de Gilmar Mendes (indicado por Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, e chamado de "aliado do PT" pelo petista Wadih Damous), Kássio Nunes Marques (indicado por Jair Bolsonaro e apadrinhado pelo denunciado Ciro Nogueira, do Centrão, que ele ajudou a blindar) e Alexandre de Moraes (indicado por Michel Temer, alvo da Lava Jato no Rio, de onde o ministro tirou o processo em 20 de abril de 2021, o que levaria à rejeição da denúncia em Brasília, em fevereiro de 2022).

Ficam vencidos Marco Aurélio Mello, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

- Em sua argumentação, Fachin defende que, ao declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, ele podia, sim, tornar prejudicada com a perda de objeto a questão da suspeição de Moro, mesmo com este julgamento encontrando-se suspenso em razão de pedido de vista de Gilmar feito anos antes. "Tal proceder, aliás, não é inédito no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Há precedentes", afirma o relator, citando uma série de casos do próprio STF a partir da página 7 deste trecho de seu voto escrito. Curiosamente, dois desses casos foram relatados por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandwoski.

Fachin também faz longa explanação sobre os critérios objetivos necessários para a declaração de falta de imparcialidade, citando numerosos exemplos internacionais em que ela não foi declarada, apesar das alegações.

- Em seu voto, que merece ser visto e revisto no Youtube, Barroso, além de apontar os artifícios usados por corruptos para posarem de vítimas, resume a vingança do sistema.

"Quem acompanhou o que aconteceu na Itália conhece o filme da reação da corrupção:

  1. a mudança na legislação ou jurisprudência;
  2. a demonização de procuradores e juízes; e
  3. a tentativa de sequestro da narrativa e de cooptação da imprensa para mudar os fatos e recontar a história.

Na Itália, a corrupção venceu e conquistou a impunidade. Aqui entre nós, ela quer mais, ela quer vingança, quer ir atrás dos procuradores e dos juízes que ousaram enfrentá-la para que ninguém nunca mais tenha a coragem de fazê-lo." (Sobre o tema, ver meu artigo "Gilmar, o guardião do sistema, contra Moro e Dallagnol", de 7/11/2021.)

- Barroso ainda concorda com Fachin que a suspeição não pode ser avaliada após a declaração de incompetência do juízo:

"Se o juiz é incompetente, não se avalia a suspeição. Caso reconhecida apenas a suspeição do magistrado, o processo continua a tramitar no mesmo juízo. Se Moro tivesse sido declarado suspeito, o caso continuaria na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, com o juiz substituto. Mas se reconhecida a incompetência, o processo deve ser remetido ao órgão competente."

Segundo o ministro, cabe ao relator decidir sobre a perda do objeto de um processo. Havendo um conflito de competência sobre a perda do objeto da suspeição de Moro entre o relator, Fachin, e a Segunda Turma, tal disputa, diz Barroso, deveria ter sido resolvida pelo plenário, não pela Segunda Turma, como aconteceu.

"O julgamento da suspeição pela Segunda Turma é completamente nulo após o relator ter extinguido o processo. Podia haver recurso das partes ou suscitação de conflito de competência. Mas a decisão não podia ter sido ignorada", aponta.

­- Em embate com Gilmar sobre este ponto, Barroso se impõe: "Vossa Excelência sentou no processo durante [mais de] dois anos e depois se sente no direito de ditar regra para os outros." Assista aqui.

- Em seu voto, que merece ser lido e relido, Marco Aurélio Mello defende a mesma tese de Fachin e Barroso, elogia a atuação de Moro, e lamenta a realização do sonho dos "adeptos da corrupção":

"Ora, assentada a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, logicamente inexiste utilidade e necessidade em apreciar se o juiz mostrou-se, ou não, imparcial na condução dos trabalhos atinentes aos referidos processos, e que desaguou em decisões condenatórias.

Conclusão diversa implica desconhecer-se os predicados da jurisdição - utilidade e necessidade - e caminhar-se para a execração de magistrado que honrou o Judiciário, que adotou postura reveladora de imensa coragem ao enfrentar corrupção, sendo condenado inúmeros réus, feita colaboração premiada, firmado contrato de leniência, com devolução de bilhões de reais aos cofres públicos. Sim, o juiz Sergio Moro surgiu como verdadeiro herói nacional. E, então, do dia para a noite, ou melhor, passado algum tempo, é tomado como suspeito, e, aí, caminha-se para dar o dito pelo não dito, em retroação incompatível com os interesses maiores do Brasil.

Dizer-se que a suspeição está revelada em gravações espúrias é admitir que ato ilícito produza efeitos, valendo notar que a autenticidade das gravações não foi elucidada. De qualquer forma, estaria a envolver diálogos normais, considerados os artífices do Judiciário - o Estado acusador e o Estado julgador -, o que é comum no dia a dia processual."

"Há de caminhar-se para conclusão segundo a qual a Turma não podia, ainda que mediante reconsideração do voto de um dos integrantes - ministra Cármen Lúcia -, desarquivar o que já estava arquivado - o processo do habeas corpus nº 164.493 - e prosseguir no julgamento, para concluir pela precedência do pedido formalizado, colocando em xeque trabalho, de vulto maior, que implicou rumo no Brasil, presente o combate à corrupção, vindo a ensejar consequências múltiplas, considerado tudo o que foi feito em termos de imposição de responsabilidade a quem claudicou na arte de proceder."

"Com as decisões proferidas - do Pleno, relativa ao primeiro agravo, a versar a incompetência da 13ª Vara Federal, e da Turma, quanto à suspeição do juiz Sergio Moro -, certamente não ganha o Brasil, mas aqueles de quem se ouviu, em passado próximo, que incumbia esvaziar a Operação Lava Jato. O que parecia sonho de adeptos da corrupção desenfreada acabou por realizar-se."

Mello chama de "tardia ao extremo e descabida" a declaração de suspeição de Moro.

- Em embate com Barroso, que defende a nulidade jurídica das provas não autenticadas obtidas criminosamente, Lewandowski chega a dizer que elas "podem ser ilícitas, mas, enfim, foram amplamente veiculadas e não foram contestadas".

Apesar de transformar arbitrariamente sua narrativa pessoal, de que faltou contestação no debate público, em ausência de uma contestação jurídica nunca exigida legalmente ao conteúdo de provas imprestáveis, a base formal da decisão do plenário não são as mensagens dos hackers, o que poderia abrir precedentes ainda mais perigosos e maiores brechas para contestação jurídica. Suas interpretações jamais confirmadas por qualquer apuração lícita são assim evocadas proposital, retórica e maliciosamente em plenário, para fazer valer aparências forjadas e compensar, pelo peso da campanha midiática da Vaza Jato, a fragilidade do apanhado de episódios feito pela defesa de Lula.

- Como comenta Deltan Dallagnol, a decisão "tentou construir uma colcha de retalhos". "Ela não disse que nenhuma ação feita na Lava Jato foi ilegal. Não. Ela juntou uma série de decisões, como a condução coercitiva do ex-presidente Lula, que tinha sido feita em relação a mais de cem pessoas antes; a saída do ex-juiz federal Sergio Moro da Justiça Federal para o Ministério da Justiça; e a liberação do áudio do ex-presidente Lula, algo que foi feito em relação a todo mundo quando as investigações acabavam, porque tudo era tornado público após buscas e apreensões. Ou seja: ela juntou uma série de medidas que tinham sido feitas em relação não apenas a Lula, mas a todos os réus investigados na Lava Jato, e construiu uma intepretação de que haveria uma suspeição."

Sobre dois desses pontos, eu, Felipe, destaco que:

1) além de não haver ilegalidade em deixar a magistratura para assumir cargo no Executivo, como até Cármen Lúcia havia atestado, não há qualquer indício de que Moro tenha sido convidado para ser ministro do governo Bolsonaro antes de tomar, muito menos a ponto de comprometer com desvio de finalidade, decisões judiciais que afetaram Lula, condenado por ele em primeira instância, como vimos, ainda em julho de 2017, a quinze meses da eleição de 2018, e preso por decisão não do ex-juiz de Curitiba, mas do TRF-4, quando o STF não só autorizava a prisão nesta etapa, como também havia rejeitado pedido de habeas corpus preventivo em favor do próprio Lula.

2) até Gilmar Mendes, antes de a Lava Jato atingir seus amigos tucanos, usou, entre outras conversas gravadas na Lava Jato, o diálogo entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff liberado por Moro, em sua decisão de suspender a nomeação do petista para a Casa Civil do governo, feita para "impedir o cumprimento de ordem de prisão" (ver meu artigo "Gilmar Mendes desmascara versão do governo para conversa de Dilma e Lula sobre termo de posse", de 19/3/2016).

- Do confronto com Lewandowski, são memoráveis também dois trechos em que Barroso é incisivo: "Vossa Excelência acha que o problema então foi o enfrentamento da corrupção; e não a corrupção?" e "Então o crime compensa para Vossa Excelência". Assista aqui e aqui.

Sobre a narrativa lulista de Lewandowski a respeito de prejuízos econômicos de empreiteiras e desemprego, ver relatório de auditoria técnica do Tribunal de Contas da União. Ver também este meu vídeo, a partir de 5min50seg. Sobre os desdobramentos do caso Moro no TCU, ver meus artigos "As contas de Moro, Lula e Bolsonaro" e "O despachante do sistema contra Moro"; e ver também este meu fio e tuítes aqui e aqui.

- Em seu voto, o ministro Luiz Fux retoma, entre outros pontos, a questão abordada por Fachin relativa aos critérios objetivos para declarar suspeição. O ministro diz que a defesa de Lula não sofreu prejuízo algum no processo do triplex e que usou prova "roubada e lavada".

"A incompetência territorial se esvazia diante da amplitude da defesa exercida. Mais de 90 peças processuais foram apresentadas pelo advogado Cristiano Zanin. Vossa Excelência foi incansável aqui e alhures, defendendo até mesmo no exterior. Esse vício impediu o exercício da defesa? De forma alguma. Nenhum ato será declarado nulo se não houve prejuízo para a defesa. Houve prejuízo para a defesa? Absolutamente nenhum."

Fux diz que ela "municiou esse argumento" de parcialidade de Moro "com uma prova absolutamente ilícita, uma prova roubada que depois foi lavada. Como na lavagem de dinheiro. Essa ilicitude da prova clama aos olhos de qualquer um. Aqueles que produziram foram presos recentemente."

- Sergio Moro comenta no Twitter a decisão do plenário:

"Os votos dos Mins. Fachin, Barroso, Marco Aurélio e Fux, não reconhecendo vícios ou parcialidade na condenação por corrupção do Ex-Presidente Lula, correspondem aos fatos ocorridos e ao Direito. Nunca houve qualquer restrição à defesa de Lula, cuja culpa foi reconhecida por dez juízes."

23 de dezembro de 2021

Em discussão com Deltan Dallagnol no Twitter, um ex-advogado da Odebrecht admite que o montante de 15 bilhões de reais roubado da Petrobras e recuperado pela Lava Jato "era dinheiro de corrupção".

O fator detonador do embate virtual é o registro de Dallagnol de que, apesar das três condenações anuladas pelo STF, Lula não foi absolvido no caso do triplex, e que seu potencial vice, o tucano Geraldo Alckmin, "foi acusado por corrupção, caixa dois e lavagem envolvendo mais de 11 milhões de reais pagos pela Odebrecht".

28 de janeiro de 2022

Lula, condenado em três instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tendo o próprio STJ estabelecido a pena em 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, é beneficiado pela prescrição do caso do triplex, reconhecida pela juíza Pollyanna Kelly, substituta da 12ª Vara Federal do Distrito Federal.

Prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. No caso, o tempo ganho por Lula com manobras jurídicas de seus indicados e aliados no STF. Ele pôde pagar advogados e os custos da demora para seguir o ritual da impunidade dos ricos e poderosos, antecipado por Joaquim Falcão em 9 de julho de 2019.

14 de fevereiro de 2022

- Humberto Martins arquiva o inquérito que apurou suposta atuação de procuradores da Lava Jato para investigar e intimidar ministros do STJ.

"Ressalte-se que foram expedidos inúmeros ofícios a diversas instituições públicas com o objetivo de coleta de indícios de prática delitiva", escreve o presidente da Corte.

"Das informações prestadas pelas autoridades estatais não se verifica a existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade de eventuais crimes, o que induz à convicção de que o arquivamento do presente inquérito é medida que se impõe."

Segundo o ministro, "não obstante as notícias da imprensa veiculando fatos que em tese poderiam configurar crimes, não se apurou qualquer indício de conduta delitiva que eventualmente pudesse ter sido praticada pelos agentes públicos que constam como autores nas notícias divulgadas nacionalmente".

- Em outras palavras: somente depois de servir como um dos instrumentos de pressão usados contra a Lava Jato e seus integrantes no debate judiciário, político e eleitoral, enquanto a barra de Lula era aliviada e ele disparava nas pesquisas, o inquérito aberto ilegalmente, com base em ilações sobre provas ilícitas não autenticadas, e estranhamente mantido após suspensão determinada por ministra do STF, é arquivado.

O estardalhaço em cima de mensagens roubadas cumpriu seus objetivos de proporcionar a impunidade de Lula e reabilitar sua imagem para uma parcela do eleitorado, ao passo que a única investigação real conduzida a partir delas não encontrou indício algum.

- Rosa Weber, informada da decisão de Martins, reconhece em despacho, no antigo pedido de habeas corpus feito por ex-procurador, que o caso "perdeu o objeto", ou seja, sua razão para ser julgado.

- Sergio Moro celebra no Twitter: "Vitória! A decisão do STJ de arquivar o inquérito contra membros da Lava Jato é uma demonstração de que a operação sempre atuou dentro da lei." Depois, acrescenta: "A grande verdade é que com todo o circo da Farsa Jato, eles nunca conseguiram demonstrar que um inocente sequer foi condenado na Lava Jato ou que alguém foi incriminado injustamente. Glenn e sua turma só ajudaram a soltar bandidos e a prejudicar o combate à corrupção no Brasil."

- Deltan Dallagnol também comenta:

"A Vaza Jato disse que a Lava Jato investigou o STJ com a Receita, violando regras legais do foro privilegiado. O STJ investigou a acusação de ilegalidade e confirmou mais uma vez que a Vaza Jato foi um conjunto de fofocas, montagens e interpretações feitas para atacar a LJ."

"A cada dia que passa, as teses Vaza Jatistas são derrubadas e desacreditadas diante da conclusão de que a Operação Lava Jato atuou dentro da lei, com base em fatos e provas. Vitória da sociedade. Tentaram sequestrar a narrativa e reescrever a história, mas não conseguiram."

Em entrevista, Dallagnol acrescenta:

"Essa decisão significa o restabelecimento da verdade. Ela não nos surpreende. Esse inquérito foi instaurado para investigar suposta investigação sobre autoridades do STJ. É muito fácil fazer essa checagem. Basta ver se existiu qualquer retirada de informações dos sistemas da Receita Federal, que registram todos os acessos que existem.

Agora, o interessante é a origem da informação que gerou esse inquérito. Era uma informação ilícita, eram supostas mensagens trocadas, eram construções, montagens de mensagens e interpretações... que a gente sempre falou que não valiam de nada, que eram deturpações da realidade, que eram absurdos.

E isso foi feito para dizer que a gente tinha praticado ilegalidades em relação a ministros do STJ. Isso, ainda que ilegalmente, foi investigado a fundo e a conclusão é aquilo que a gente sempre disse: que a gente nunca praticou ilegalidades, que a gente sempre atuou dentro da lei, e isso se confirmou mais uma vez a partir dessa apuração, ainda que tenha sido uma apuração ilegal do STJ."

- Os 'vazajatistas' sentem o baque, apesar da impunidade geral conquistada.

Eles tentam distinguir, sobretudo em emissoras de rádio e redes sociais, os elementos do inquérito arquivado e o restante da fumaça e da espuma que ainda precisam ventilar até a eleição de 2022, para fingir que seus quadrilheiros de estimação não roubaram o país e que ladrões são os juízes e procuradores que combateram a roubalheira, enfrentando um sistema que, com seu processualismo, dá margem a todo tipo de manobra.

A propaganda pode até deixar condenados impunes, fidelizar bases histéricas e engambelar os incautos. Mas a verdade fica registrada para sempre.