Topo

Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A grana do Centrão bolsonarista

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) - Michel Jesus/Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao lado do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI) Imagem: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Colunista do UOL

20/05/2022 16h02

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro faz a festa do Centrão com o mensalão institucionalizado pelo orçamento secreto, enquanto distrai o país investindo em embates com Alexandre de Moraes.

Nos artigos "A sonsa cúpula dos Três Poderes" e "Bolsonaro rasga plano de governo no MEC", analisei o duto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Agora, reorganizo as informações da matéria de hoje do Globo sobre o "cotão" do SUS, e acrescento outras, para analisar o duto do Fundo Nacional da Saúde (FNS).

Pergunto:

1) Faz sentido Petrolina, com menos de 355 mil habitantes, receber mais verba por meio do FNS que a capital de Pernambuco, Recife, que tem mais de 1,66 milhão de habitantes?

Explica-se: Petrolina era administrada por Miguel Coelho, filho de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), o líder do governo Bolsonaro no Senado que destinou 13 milhões de reais em emendas de relator à cidade, parte dos quais ao hospital gerido por uma entidade comandada pelo tio-avô de Miguel, Augusto Coelho. O prefeito renunciou ao cargo no fim de março para disputar o governo estadual.

Detalhe: Prefeitos de outras cidades, como Paulista, reclamam do privilégio dado a Petrolina. "Esse dinheiro está fazendo falta", disse Yves Ribeiro, que não tem familiar na base bolsonarista do Congresso. "Estou precisando reabrir postos de saúde e está uma luta para comprar remédios. Estamos tirando de outras áreas para comprar remédios para idosos, hipertensos, diabéticos e crianças especiais.

2) Faz sentido que Campo Formoso, com 72 mil habitantes e o 29º lugar no ranking de populações da Bahia por municípios, seja o segundo mais agraciado com emendas de relator repassadas via FNS ao estado, atrás apenas da capital, Salvador, que tem 2,9 milhões de habitantes?

Explica-se: o prefeito de Campo Formoso é Elmo Nascimento, irmão do deputado Elmar Nascimento (União-BA), aliado do governo Bolsonaro que destinou a maior parte do dinheiro enviado à cidade por meio de uma emenda de 29,9 milhões de reais. (Foi de Elmar, líder da União Brasil na Câmara, a declaração, em abril, de que a chance de Sergio Moro "ser cabeça de chapa" pela legenda "é zero".)

Detalhe: Os recursos alegadamente destinados à construção de um segundo hospital municipal estão à disposição da prefeitura desde o fim de 2021, mas a licitação ainda não foi realizada.

Respondo, portanto, ambas as questões:

Nenhum dos privilégios de cidades administradas por familiares de parlamentares aliados do governo faz sentido técnico, muito menos moral. Obviamente, porém, faz um deturpado sentido político: o governo compra apoio parlamentar com verbas do orçamento secreto, depois aplicadas no reduto eleitoral de deputados, senadores e seus familiares, com o objetivo primário de manter o poder local dos seus respectivos clãs.

Este objetivo pode ser alcançado através da propaganda da obtenção e da utilização dos recursos para bancar ambulâncias, atendimentos médicos e construção de hospitais; mas não se descarta o desvio de verba para campanhas eleitorais e enriquecimento ilícito.

O deputado (do partido do presidente) Josimar Maranhãozinho (PL-MA), flagrado com uma caixa de dinheiro, é acusado de envolvimento em corrupção: "ele teria destinado R$ 2,2 milhões em emendas por meio do FNS para a prefeitura de Zé Doca, comandada por sua irmã, Josinha Cunha. A suspeita da PF é que a prefeitura contratava empresas de fachada com o objetivo de devolver os recursos em dinheiro vivo para Maranhãozinho."

Em 3 de dezembro de 2021, comentei o caso no rádio: "Foto de deputado bolsonarista com dinheiro ilustra farra das emendas". A farra continua, porque, como resume o jornal, "o governo Bolsonaro entregou a aliados no Congresso o controle do dinheiro destinado a serviços de saúde nos estados e municípios". O FNS "distribuiu em 2021 boa parte dos R$ 7,4 bilhões em emendas de relator a redutos eleitorais de caciques do Centrão, ignorando critérios técnicos". O valor "cresceu 112% entre 2019 e 2021", sendo "quase metade desse aumento" via orçamento secreto, sistema por meio do qual são distribuídos, "de forma desigual, recursos entre parlamentares aliados do governo".

Desde que assumiu a Casa Civil, o ministro Ciro Nogueira controla a parcela do orçamento secreto destinada a senadores, estimada em 5,5 bilhões de reais para 2022, enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira, define o destino dos agora 11 bilhões de reais reservados aos deputados. Partido de ambos, o PP foi o único a superar 2 bilhões de reais em recursos liberados em 2020 e 2021, de acordo com a lista incompleta de indicações, baseada na resposta de parlamentares à cobrança feita por Rosa Weber. Em segundo lugar, claro, vem o PL de Bolsonaro, com quase 1,7 milhão de reais. Do PP, 53 dos 62 parlamentares responderam (85,48%). Do PL, 65 dos 86 (75,58%). Do total de 10,9 bilhões de reais informados nos dados, os partidos do Centrão concentraram 50%. Ou seja: o mecanismo abastece membros dos partidos das cúpulas do Legislativo e do Executivo, e demais parlamentares que se comportarem direitinho, na visão delas.

Em outras palavras, a democracia segue sendo corroída por dentro, enquanto é defendida com caras e bocas dos potenciais ataques de fora.