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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Viúvo de Trump, Brasil de Bolsonaro flerta com o petropopulismo de Chávez

Jair Bolsonaro participa de evento em Brasília - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Jair Bolsonaro participa de evento em Brasília Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

25/02/2021 04h00

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Há algumas lições consideradas elementares quando o assunto é o estudo de política internacional. A primeira delas é a noção de que os países não possuem amigos, mas interesses. A segunda nos lembra que nada pode ser mais arriscado, em termos estratégicos, do que privilegiar alianças entre governos em vez de alianças entre Estados.

O Brasil de Bolsonaro parece ter ignorado ambas. Ao buscar um alinhamento automático com o trumpismo - e não com os Estados Unidos - vulnerabilizou-se. Além de ter conquistado muito pouco do ponto de vista pragmático das relações bilaterais, colhe agora os frutos de estar associado a uma narrativa perdedora.

O bolsonarismo mimetizou o trumpismo enquanto pôde. Importou dos Estados Unidos forma e conteúdo. Enquanto surfava uma onda e desfrutava, ainda que oportunamente, dos resultados de curto prazo, ignorou uma variável importante: a diferença brutal de "estoque de poder" de cada um dos países.

Em 1991 o professor de Relações Internacionais Joseph Smith publicou o livro "Unequal Giants". Nesta obra, ele estuda o papel dos Estados Unidos na derrubada do Império brasileiro, ocorrida em 1889. O autor questiona a premissa de que os dois países sempre foram "amigos e aliados naturais".

Reconstrói, já nos primeiros anos da República brasileira, um relacionamento marcado não só pela cooperação, mas também pelo conflito, e traz à luz algo fundamental: a ideia de que uma relação de igualdade sempre teve muito mais aceitação no Brasil do que nos Estados Unidos.

Na prática, ele argumenta que trata-se de uma construção que serviu às ambições e vaidades da elite brasileira enquanto forneceu aos Estados Unidos meios de lidar com a América Latina. Trinta anos depois, em 2021, "Unequal Giants" permanece atual. No Brasil, parece que seguimos alimentando, por deslumbramento ou conveniência, a mesma narrativa de falsa simetria, ignorando os potencias efeitos colaterais que isso nos traz.

O Brasil não é como os Estados Unidos e, na ausência do expressivo volume de poder militar e econômico típico das superpotências, acaba refém de sua própria reputação. Por essa razão defendeu, ao longo de sua história diplomática, caminhos multilaterais. Para o Brasil, agir em grupo e ser visto como um líder vocal legítimo, especialmente no mundo em desenvolvimento, não é questão de ideologia, mas de sobrevivência dentro de um sistema potencialmente competitivo e hostil.

Impactado pela desvalorização do real e a retração do PIB, dados do FMI sugerem que o Brasil deixou de ser, em 2020, uma das dez maiores economias do mundo, depois de ser ultrapassado por países como Coreia do Sul, Canadá e Rússia. Em outro ranking, o de desigualdade, o Brasil figura como o nono mais desigual do planeta, segundo dados do Banco Mundial.

Nas instâncias multilaterais acumulam-se notícias que reportam o constrangimento de nosso corpo diplomático. O Brasil passou a patrocinar, em reuniões oficiais, proposições de países que não demonstram apreço pelos valores democráticos. Tem sido visto como pária em fóruns de discussão sobre meio-ambiente e direitos humanos. Também é considerado um mau exemplo na governança da pandemia de COVID-19. Ficou estigmatizado pelo negacionismo científico e por se colocar como porta voz de um anti-globalismo démodé, que inclui traços de radicalismo religioso.

Tudo no Brasil cheira mofo. A política de retrovisor nos transporta para a agenda ambiental dos anos 1970 e para um tipo de déjà-vu de concepções e resultados econômicos do passado. Sem as costas largas de Trump e, com novos adultos na sala, vemos o nosso prestígio internacional derreter. O resultado: ninguém quer sair na foto com o Brasil.

Enquanto isso, viúvo do trumpismo, o governo brasileiro ensaia um flerte com outra dinastia política: o chavismo. Diante do aumento da pobreza, com as expectativas de inflação crescentes, desemprego recorde e, no contexto de uma administração dividida e chafurdada em denúncias de corrupção familiar, os líderes políticos, direto de Brasília, vão misturando alguns ingredientes conhecidos: populismo, nacionalismo, corporativismo, conspiracionismo e autoritarismo. Também já podemos incluir nessa conta a utilização intempestiva de militares no comando de empresas petrolíferas e disputas em torno dos preços de combustíveis para atender a projetos políticos.

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